sexta-feira, 22 de março de 2013

HAJA LUZ! - 30

[Sexta praga do Egipto - Bíblia de Wittenberg, 1572]

«(...) Com cerca de cem mil habitantes, Lille era então a quinta cidade francesa. Importante centro industrial, conhecido pelas suas fábricas de fiação, destilarias de sumo de beterraba, fábricas de cerveja, construção mecânica e minas de carvão, Lille aspirava tornar-se num centro universitário moderno, onde a ligação universidade-indústria fosse uma prioridade. Pasteur acreditava na capacidade motivadora da ciência. E ao contrário de muitos colegas, o novo professor de química da Universidade de Lille tinha uma concepção revolucionária das ciências aplicadas. Não eram, para ele, as divisões elitistas entre puro e aplicado. É uma atitude nova, que permeou toda a segunda metade do séc. XIX em França, tal como em Inglaterra (a época vitoriana) e no Ocidente em geral. (...)
Pouco tempo depois de se instalar em Lille, Pasteur foi procurado por um industrial do álcool, a contas com um problema sério: o álcool, produzido por fermentação do sumo da beterraba, aparecia contaminado por substâncias estranhas. Pasteur, que não tinha qualquer experiência de fermentação, consagraria ao tema mais de vinte anos da sua vida. (...) Pasteur pensou imediatamente que a fermentação, longe de ser um processo meramente químico, resultava da actividade de organismos vivos, de "fermentos vivos". Micróbios ou microorganismos estavam, afinal, na origem de uma das tecnologias químicas mais antigas - a da fermentação alcoólica! (...) Outras fermentações muito conhecidas são a do leite (que azeda), a do vinho (que se transforma em vinagre), a da manteiga (que fica rançosa). No primeiro caso é o acúcar do leite (lactose) que passa a ácido láctico; no segundo, o álcool (etanol) é oxidado e dá o ácido acético; no terceiro, os ácidos gordos de cadeia (de carbonos) longa decompõem-se para dar ácido butírico. (...)
Em 1865, Pasteur foi chamado a resolver o problema da doença do bicho-da-seda, que ameaçava a indústria da seda no Sul de França, responsável por um décimo da produção mundial. (...) Pasteur descobriu que não se tratava de uma doença, mas de duas: uma delas, a pebrina, era contagiosa e transmitida por um parasita; a outra, a flacidez, era causada pela fermentação (induzida por uma bactéria) das folhas de amoreira húmidas, no longo tracto intestinal da lagarta. (...)
A experiência adquirida no estudo dos bichos-da-seda fez de Pasteur uma autoridade na transmissão e controle das doenças infecciosas. (...) Nos hospitais generalizavam-se as infecções, e a mortalidade era enorme. Vinte por cento das mulheres morriam de febre puerperal, na sequência do parto. A guerra Franco-Prussiana de 1870, com a sua multidão de estropiados, só veio agravar a situação. Das 13.176 amputações operadas nos hospitais militares franceses, 10.006 conduziaram à morte do amputado, de infecção e gangrena. Pasteur bem proclamava que todas estas infecções eram causadas por micróbios, mas o establishment medico-cirúrgico preferia explicações absurdas. A solução preconizada por Pasteur - uma higiene rigorosa e o uso de substâncias anti-sépticas - era olimpicamente ignorada pela generalidade dos cirurgiões. (...)
1877 seria outro ano de viragem na carreira de Pasteur. A pedido do Ministério da Agricultura, aceitou investigar as causas da epidemia de antraz que dizimava centenas de milhares de cabeças de gado (cavalos, vacas e ovelhas) por toda a Europa. Na Rússia, a doença era conhecida como a "praga da Sibéria". (...) Para Pasteur, já não havia qualquer dúvida: as doenças contagiosas, como a peste bubónica, a febre-amarela, a varíola, a gripe, etc, eram causadas por micróbios e não por emanações ambientais; o antraz não seria excepção. (...) Guiado pelos trabalhos de Pasteur sobre o bicho-da-seda, Koch identificou a bactéria em forma de haste do Bacillus anthracis e verificou que a sua reprodução se processava por esporos. O antraz assumia assim o papel da Sexta Praga do Egipto, tal como é apresentada no Livro do Êxodo, da Bíblia. O Senhor disse a Moisés para apanhar uma mancheia de cinza do forno e lançá-la aos céus: "Ela tornar-se-á em pó fino sobre toda a terra do Egipto, e haverá nos homens e nos animais úlceras com erupções de pústulas por toda a terra do Egipto". (...)»