terça-feira, 24 de maio de 2011

Claro/escuro

O meu amigo João Vasco está preocupado comigo. E não lhe faltam razões, mas não são as que exprimiu.
Se a vida fosse um exercício teórico, tudo era duma maneira: elaborava-se um plano em cima do estirador, e era só seguir o tira-linhas.
Mas a vida é sobretudo um exercício prático e activo, operado num contexto de circunstâncias concretas, com as quais as pessoas reais têm que se aver. Isso torna tudo menos linear. E mormente a questão eleitoral.
A propósito de passados estados escravistas, sustenta o João Vasco que entre o PS e o PSD não há um conjunto significativo de diferenças. Porque um qualquer governo de qualquer desses partidos actua em nome do Belmiro, do Salgado, do Amorim… contra a luta de emancipação dos trabalhadores e as suas conquistas, os seus direitos, as suas estruturas representativas… e privatiza a escola pública, e entrega a saúde aos grupos financeiros, para dar estabilidade à burguesia na exploração económica e no domínio político.
Infelizmente, por erros e crimes que não vale a pena lembrar, mas que não convirá desconhecer, o modelo de sociedade alternativa que chegou a vislumbrar-se não passou dum vislumbre. E, tendo desabado, para mal dos nossos pecados, deixou o campo livre à burguesia. A qual aproveitou o ensejo para refinar métodos, e assumir a sua face mais hedionda, mais cleptocrata e mais ignóbil, de repartidora da miséria. O mundo que aí está é o fruto natural desse circunstancialismo, e é nele que temos que viver, enquanto outro se não tornar possível.
Diz o João Vasco que eu entro num ataque cerrado a tudo o que cheire a esquerda. Mas não é verdade, eu não ataco ninguém. O que eu sinto é pena, é vergonha, de ver os comunistas mancomunados com a direita mais vil para derrubar o governo existente, pela miragem dum inexistente prato de lentilhas.
Quanto às diferenças entre serventuários, na destruição do Estado e nos atentados contra os trabalhadores… muito suspeito de que o meu amigo João Vasco ainda não viu metade da missa. Mas a confirmarem-se as reles perspectivas, creio que não tarda muito para ficar à vista a metade que falta.
A esse propósito, e mal comparando, lembra-me a situação de violenta ruptura na Alemanha de Weimar, antes da eleição de Hitler. A direcção dos comunistas, com Thaelmann à cabeça, também não via diferenças nenhumas. E seguindo as directivas de Stalin, proclamou alto e bom som: Que venha Hitler! Nós seguiremos Hitler! Os resultados estão documentados.
Não é negando a realidade que se chega ao dia claro, meu caro João Vasco.