quarta-feira, 30 de março de 2011

Mais vale tarde... 9 - A missão civilizadora

(...) Os trabalhos forçados, conhecidos como sistema de contratos, são uma das mais ferozes instituições da nossa época [1934]. Aqueles pretos, muito longe da sua terra, trabalham debaixo de sanções penais (…). Se tentam fugir e são apanhados, sofrem os mais cruéis castigos corporais. O extinto Sir Arthur Conan Doyle deixou o mundo atónito com as suas revelações sobre o tratamento a que eram submetidos os naturais do Congo Belga. Mas a indignação mundial aplacou-se bem depressa. Hoje em dia, a aterrorização do indígena é geral, desde a África do Sul até ao Sudão, e do Rio do Ouro à Etiópia. (…) Os fastos coloniais da Itália, na Líbia, constituem talvez o episódio mais doloroso na história da colonização africana. Ali, segundo as estatísticas oficiais publicadas pela Liga das Nações, os turcos deixaram uma população de dois milhões e seiscentas mil pessoas, ao cederem o território à Itália. Após quinze anos de administração italiana, dois milhões de naturais tinha perecido ou emigrado, dos quais um milhão e meio sob o reinado do famoso Graziani. (…) O vice-rei Graziani, convém dizê-lo de passagem, não havia esquecido de todo os seus antigos súbditos da Líbia, quando foi conquistar a Abissínia Meridional. Em benefício da sua infantaria eritreia, que fez toda a campanha e cujas baixas nunca eram mencionadas em Roma, importou centenas de rapazes e raparigas líbios, para serem prostituídos pelos soldados. A moderna psicanálise permite-nos compreender, em certa medida, as perigosas consequências do instinto de domínio. O europeu degenera facilmente nos países tropicais. É incontestável que entre os milhares de jovens europeus que partem todos os anos para servirem como administradores, agrónomos, organizadores e feitores, se encontra uma pequena minoria de idealistas, que prestam real auxílio à população nativa. Mas poucos são capazes de subtrair-se à influência desmoralizadora do meio em que se acham. Raros resistem à terrível tentação dos poderes quase ilimitados de que o homem branco desfruta ali. (…) Observadores conscienciosos do sistema colonial africano, tais como André Gide, Roland Holst, Albert Londres e Andrée Viollis, anotaram o facto de que uma alta percentagem dos guardas de plantações perdem o seu equilíbrio mental. Sob a influência da solidão, do tédio, do álcool, de condições sexuais e sociais anormais, eles transformam-se em psicopatas. O mesmo se dá com as tropas. Toda essa gente tem propensão para vingar-se dos seus padecimentos mentais em pobres criaturas indefesas. (…) Todos os administradores que conheci se sentiam alvo de um ódio mudo, mas ódio nunca apaziguado. O homem branco, ao destruir o sossego mental do indígena, matou o seu próprio. Ambos são acossados pelo medo. As qualidades intrínsecas de ambos são aniquiladas, pois o natural vai perdendo rapidamente a sua alegria de viver. A nossa expedição foi à África recolher danças e canções, porque os indígenas dançam e cantam cada vez menos. (…) Por toda a parte as tribos se vão tornando mais bestiais e a opressão mais cruel. A cobiça está transformando um continente inteiro num mundo de sangue e de lágrimas. (...)