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Em 1924 o Evening World, a conselho de Arthur Krock, nomeou-me seu correspondente-viajante na Europa, com sede em Paris. (...)
As exigências do meu trabalho levavam-me para rumos bem diferentes: para o meio de intelectuais fatigados, cuja força criadora se mirrara num simples desejo de entreter e agradar; homens e mulheres que viam na poesia, no amor, no sacrifício e até na dor humana tão-somente motivos para silogismo e jogos de espírito. Eram eles os artistas que tinham nascido bem-fadados, que não criavam nada, e contudo davam a nota nas rodas cosmopolitas de arte e literatura; autores de bon ton e de bonne compagnie que escolhiam bem as suas palavras, untavam-nas bem, para que elas entrassem por um ouvido e saíssem pelo outro sem atritos, sem tocar em nada à passagem: críticos cuja ocupação principal era manejar a escova de polir; os petits précieux de Molière, excentricamente trajados, de maneiras impecáveis, que compunham doutrinações para os jornais sólidos e bem pensantes, financiados pelos trusts das munições e pelos reis do aço; poetas que pontificavam e super-realizavam, supra-inspirados, servindo as suas reticências ternamente admiráveis todas as vezes que olfacteavam Coty a dez mil francos a onça; mulheres que pagavam a aristocratas decaídos para irem visitar em sua companhia os bas-fonds de Montmartre e verem um proxeneta deitar-se com a sua amante dentro de um ataúde, ou um gigolô negro sodomizar uma mulher branca; (...) financeiros que exploravam plantações de borracha no Senegal, canaviais na Cochinchina, bananais na Guiné, minas de ouro no Camerum e cinemas em Marselha e Buenos Aires.
Toda essa gente refinada andava constantemente em busca de novas sensações, novos arrebiques, novas emoções, novos frissons em arte, amor e literatura. Quanto às emoções autênticas, à angústia real e à genuína alegria da vida, evitavam-nas, como se evita o contacto duma corrente eléctrica. Queriam a arte sintética, confundiam publicidade com fama, e imaginavam que podiam comprar a paz de espírito como se compra um par de chinelos num bazar. (...)
Uma das minhas incumbências era a de investigar os mistérios do Bosque de Bolonha, os deleites dos bares de Montmartre, e as alegrias dos cabarets do alto da colina, onde dezenas de milhares de americanos esbanjavam milhões de francos em prazeres duvidosos. Estávamos no meio daquele afluxo anual de turistas, que atingiu o auge no verão de 1929 e nunca mais se repetiu. Eles desciam sobre Paris como uma nuvem de mosquitos, machos e fêmeas, magros e rechonchudos, homens de óculos, mulheres de saias curtas, brancos e pretos, ricos e pobres. (...) A lotação das Folies Bergères era vendida com uma semana de antecedência, as mondaines dançantes achavam-se todas tomadas às seis da tarde. A América queria dançar! (...)
O Moulin Rouge reviveu as saturnais de Calígula; rapariguinhas trajadas com o boné do Exército de Salvação e um par de meias de seda vendiam cigarros; Cleópatra, na indumentária de Santa Godiva , cavalgava as espáduas dum núbio cor de ébano; Messalina, a imperatriz nua, com os longos cabelos soltos, coroada de folhas douradas de carvalho, exibia-se no coche imperial puxado por sessenta escravozinhos pintados e empoados como meninas, a quem outros escravos de pele acobreada vergastavam com correias dilacerantes. (...)
À porta, grão-duques arruinados, com a estrela de S. Miguel pregada às suas blusas de chauffeur, oficiais do tzar, generais cossacos de bigodes encerados, destroços do grande dilúvio, esperavam os americanos para conduzi-los aos seus hotéis. (...) Seis comboios repletos de passageiros baldeados dos transatlânticos chegavam ao meio dia à gare St. Lazare: Vive l'Amérique! Vive l'amour! Vive le dollar! - o bezerro de ouro com a cabeça de George Washington encaixada no pescoço!
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