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Todos os actos de Mussolini são resultado dos frios cálculos de um oportunista. Estes cálculos aplainam o caminho de projectos que parecem fantasticamente atrevidos, pois é um egoísta totalitário, que identifica o universo com a sua própria pessoa. A este respeito difere fundamentalmente de Hitler, que é perfeitamente sincero na sua convicção de agir com justiça. Mussolini não se ocupa com questões de bem e de mal, moralidade e imoralidade, lealdade e traição. O mesmo homem que escarnece das pluto-democracias empobreceu a Itália a tal ponto que as condições sociais das massas são ali tão lamentáveis como as dos camponeses franceses nas vésperas de 1789.
Ele não conhece clemência nem compaixão. Governa-se pelo orgulho. A sua folha corrida é uma série ininterrupta de traições – traição aos socialistas, aos agrários, à burguesia, aos anti-clericais… e a lista ainda não está completa, como há-de sabê-lo Hitler na hora decisiva. Filho de pais proletários pobríssimos, vendeu-se aos interesses financeiros, e com cínico estudo utilizou o seu renome de campeão dos humildes para amarrá-los de mãos e pés ao serviço do estado plutocrático que governa. Gloriando-se dos seus laços de afinidade com os humanistas do Renascimento, produziu uma estagnação cultural sem precedentes na vida de um dos povos mais bem dotados da Europa, além de militarizar todos os aspectos da sua vida, ao mesmo tempo que inaugurava uma economia nacional de bancarrota. Aceitou sem escrúpulos tudo o que contribuía para o engrandecimento do seu poder pessoal. Esmaga com fria impiedade tudo quanto se lhe opõe. Os seus companheiros de fascismo são sacrificados, sem um momento de hesitação, todas as vezes que a sua popularidade faz periclitar a posição sem par do chefe, e persegue os seus inimigos com ferocidade bestial, como bem demonstram os casos de Matteotti e dos irmãos Roselli. (…)
Mussolini era ainda considerado um anti-clerical inflamado e um republicano convicto, ao tempo da famosa Marcha sobre Roma. Isto não obstou a que o rei Vítor Manuel o nomeasse primeiro-ministro. Monsignor von Gerlach contou-me, em confidência, que a noite seguinte à chegada do Duce a Roma foi a primeira vez, em muitos meses, que o Santo Padre dormiu em paz. Digam o que disserem dos membros da Cúria, ninguém contestará a sua profunda intuição dos caracteres humanos. Eles leram na alma de Benito, à primeira vista, e souberam avaliá-lo melhor do que Badoglio, que lhe chamou “um agitador trabalhista de boca suja”, e se ofereceu para esmagar, no espaço de uma hora, o movimento fascista, “varrendo da história” o Duce e as suas coortes com uma carga de metralha.
E de facto, poucos meses depois da Marcha sobre Roma, o inimigo dos padres, que tinha escrito, na idade de 27 anos, um panfleto em que “provava” a inexistência de Deus, regularizou a sua união com Donna Rachele e mandou baptizar os seus filhos pelo clero, ordenando a reposição do crucifixo em todas as aulas do Reino da Itália, fez-se fotografar no acto de rezar ante o túmulo do Soldado Desconhecido, começou a beijar relíquias de santos como qualquer camponês siciliano, e passou a ser mencionado regularmente nos sermões do clero romano como um homem de Deus.
Uma portentosa conversão!
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