quarta-feira, 24 de maio de 2017

Revolução

O Rogério afirmou, convicto:
- É para sexta-feira. Sem falta.
- Sexta-feira? - espantou-se o Antunes, sem perceber lá muito bem.
Sim, claro. Sexta-feira - insistiu o Rogério. - Saimos prá rua. Está tudo combinado. O que é preciso é a ditadura do proletariado. Então não te disseram nada?
- Não tenho estado por cá estes últimos dias - retorquiu o Antunes, um pouco enfiado. - Mas vamos fazer o quê, na sexta-feira? Confesso que só ouvi falar vagamente nisso. Não tenho estado cá, já te disse.
O Rogério franziu o sobrolho.:
- Que diabo, homem! A revolução. Que querias que fosse?
- Ah, pois! - O Antunes pareceu aliviado. De repente sobressaltou-se:
- Mas olha que sexta-feira é já depois de amanhã. Achas que há tempo?
- Está tudo preparado - acalmou-o o Rogério. - A Tucha traz-nos as metralhadoras na quinta-feira à noite, depois do jantar. Na sexta, às oito, oito e um quarto da manhã juntamo-nos com o nosso núcleo.
O Antunes parecia um pouco desconectado:
- Mas há bastante gente?
- Claro, homem, claro. Temos os camponeses e os operários connosco. É a tomada do poder. Rápida, fulgurante, sem dar tempo a qualquer recção revisionista. É tiro e queda, é o que eu te digo.
- E temos bombas? - perguntou o Antunes, já entusiasmado.
- Temos, evidentemente.
- Bastantes?
- Ó Antunes, esse teu anarquismo latente ainda dá cabo de ti. São bastantes, sim.
- Então vou.
O Antunes esfregou as mãos, encantado, e saiu batendo com a porta.
Na quinta-feira a distração era geral e os grandes chefes partidários continuavam a descompor-se mutuamente, com excelente eficácia. Tudo óptimo. Mas na sexta-feira começou a chover a potes, logo de madrugada. E não parou mais. E esta, hein!
Foram todos para a discoteca do Martinelli, no carro do Jonas. Ouvir canções revolucionárias cubanas e música chilena.
Por sinal que a música chilena é bem bonita.