quinta-feira, 4 de maio de 2017

In illo tempore*

Já não sei o que fazia, num lugar daqueles, um alferes de artilharia antiaérea. Mas o facto é que ele estava lá e era melómano.
Foi ele que me deu a novidade de que a Olga Prats e o Bruno Pizzamiglio davam um recital em Carmona, esse lugar implausível.
A mim coube-me pensar que o Auster era o meio de transporte mais adequado e rápido para andar 50 Km e ir lá ouvi-los. Muito mais do que o jipe de volante à direita que os sul-africanos ricos tinham oferecido à esquadra. Além disso era domingo... O comandante da esquadra não colocou objeções e eu lá fui.
Tinha conhecido há tempos a cinturinha de vespa, uma cachopa da terra, numa festa de aniversário. Ela acabara de sair das mãos dum alferes do arre-macho que terminara a comissão e regressara a Lisboa.
Antes de ir para o auditório passei pela casa da cachopa. E foi lá, durante a tarde, que descobri que ela tinha a cintura mais elegante que já me foi dado ver. A mãe manteve-se discreta, e o tempo foi escorrendo, entre blandícias. Até me esqueci do recital. A certa altura olhei pela janela e vi que a noite chegava.
Saí à pressa, e um táxi levou-me ao aeroporto. Meti-me no Auster, arranquei para a pista sem outras delongas, e iniciei a descolagem montado na roda esquerda, que era o meu hábito. O crepúsculo era naquelas terras um intermezzo breve, quando iniciei a subida os montes em volta eram uma escuridão. Tão densa como o painel de instrumentos, que não tinha iluminação.
O regime e as rotações do motor eram de ouvido. E eu fui subindo até me parecer altura de nivelar. Ainda acendi um isqueiro, para ver a pressão do óleo. Quanto à rota, uma estrada que passava lá em baixo, com faróis de viaturas ocasionais, era boa referência.
Às tantas apareceu na rádio a voz do controlador da base, a repetir chamadas insistentes. Eu respondi, dei-lhe um tempo de chegada, até que vi ao longe uma pista descomunal, em parte balizada por candeeiros de petróleo. A torre estava à minha espera. Fiz aproximação directa e aterrei na perfeição.
O comandante da esquadra estava no gabinete, à minha espera. Mal sabia que eu trazia os olhos cheios da cinturinha de vespa. Cuidou que era o piano da Olga Prats a enfeitiçar-me. Eu não desfiz o engano  e ele mandou-me ir para a cama. Desarmado.
*Nesse tempo a Olga Prats era assim. Eu não a vi mas contaram-me depois!