terça-feira, 2 de maio de 2017

Plutocracia 2 - Belle-Époque

"As exigências do meu trabalho levavam-me para rumos bem diferentes: para o meio de intelectuais fatigados, cuja força criadora se mirrara num simples desejo de entreter e agradar; homens e mulheres que viam na poesia, no amor, no sacrifício e até na dor humana tão somente motivos para silogismo e jogos de espírito. Eram eles os artistas que tinham nascido bem-fadados, que não criavam nada, e contudo davam a nota nas rodas cosmopolitas de arte e literatura; autores de bom ton e de bonne compagnie que escolhiam bem as suas palavras, untavam-nas bem, para que elas entrassem por um ouvido e saíssem por outro sem atritos, sem tocar em nada à passagem; críticos cuja ocupação principal era manejar a escova de polir; os petits précieux de Molière, excentricamente trajados, de maneiras impecáveis, que compunham doutrinações para os jornais sólidos e bem pensantes, financiados pelos trusts das munições e pelos reis do aço; poetas que pontificavam e super-realizavam, supra-inspirados; mulheres que pagavam a aristocratas decaídos para irem visitar em sua companhia os bas-fonds de Montmartre e verem um proxeneta deitar-se com a sua amante dentro dum ataúde, ou um gigolô negro sodomizar uma mulher branca; (...) financeiros que exploravam plantações de borracha no Senegal, canaviais na Cochinchina, bananais na Guiné, minas de ouro no Cameroun e cinemas em Marselha e Buenos Aires. Toda essa gente refinada andava constantemente em busca de novas sensações, novos arrebiques, novas emoções, novos frissons em arte, amor e literatura. (...) Queriam a arte sintética, confundiam publicidade com fama, e imaginavam que podiam comprar a paz de espírito como se compra um par de chinelos num bazar. (...)
Uma das minhas incumbências era a de investigar os mistérios do Bosque de Bolonha, os deleites dos bares de Montmartre, as alegrias dos cabarets do alto da colina, onde dezenas de milhares de americanos esbanjavam milhões de francos em prazeres duvidosos. Estávamos no meio daquele afluxo anual de turistas que atingiu o auge no Verão de 1929, e nunca mais se repetiu. Eles desciam sobre Paris como um nuvem de mosquitos, machos e fêmeas, magros e rechonchudos, homens de óculos, mulheres de saias curtas, brancos e pretos, ricos e pobres. O franco andava cotado a quarenta e cinco por dólar, e os títulos americanos subiam vertiginosamente. (...) A lotação das Follies-Bergères era vendida com uma semana de antecedência, as mondaines dançantes achavam-se todas tomadas às seis da tarde. A América queria dançar! (...)".