Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal
Entre os economistas e os gestores, vai-se alargando o consenso sobre aquilo que eles próprios designam como a “necessidade da mudança de paradigma”. Mesmo entre os cornucopianos, aqueles que crêem no crescimento económico contínuo e ilimitado, começam já a pressentir-se dúvidas, reservas e interrogações, quanto à validade das receitas tradicionais para a saída da crise. Sejam elas de pendor monetarista ou keynesiano. “Depois desta crise, nada será com dantes”, é a sentença corrente dos oráculos que, nos órgãos de informação, nas empresas, nas universidades e nos órgãos de poder, tentam prever o futuro da organização económica mundial.
Apesar disso, ninguém arrisca soluções sobre o processo de transição para um modelo económico de tipo diferente. Embora cada dia mais inevitável, ninguém parece saber muito bem como defini-lo e implementá-lo. Existe um estranho tropismo subjacente à actividade económica, traduzido na insistente fé no crescimento, como único remédio para as múltiplas maleitas da crise. É ele que ilumina todas as medidas, e orienta todas as iniciativas que hão-de levar à retoma.
E contudo, parando um pouco para pensar, a lógica mais elementar mostra-nos o enorme equívoco que se esconde atrás desse tropismo. No último século, a população mundial cresceu quatro vezes, sendo que hoje um bilião de seres humanos vive paredes meias com a fome. Imaginamos que não poderá voltar a crescer mais quatro vezes no próximo século, muito longe disso! Além disso o aquecimento global, o pico do petróleo, a poluição, a ameaça de colapso do "Estado Providência", são hoje outras "verdades inconvenientes". Embora algumas sejam já certezas assumidas, a exigir soluções e medidas que não podem ser adiadas por muito mais tempo. Sustentabilidade e crescimento, diz Bartlett, são incompatíveis. E esclarece: "um sistema não pode ter crescimento contínuo se tiver fronteiras a limitá-lo".
Acontece que a economia da transição, tal como eu a imagino, é contrária aos interesses imediatos dos políticos. Não traz votos, exige sacrifícios, convive mal com os modelos do liberalismo económico, e com a chamada “mão invisível” do mercado. Existe mesmo quem questione a possibilidade de a implementar de forma pacífica, para não concluir que só surgirá como consequência de uma ruptura, de um colapso ou de um conflito.
A grande interrogação está em saber como vais ser esta economia, uma vez que não existe, no passado, nenhum modelo de transição a servir de exemplo. A história não revela nenhuma situação em que uma sociedade, ou um grupo, tenha sido capaz de se auto-regular para evitar o colapso. Não o fizeram os maias, nem os romanos, nem os mesopotâmios. Nenhuma civilização extinta parece ter percebido antecipadamente o caminho deslizante para o colapso.
Poderá a nossa, que é global e planetária, poderá ela ser diferente das outras? Algo sugere que sim. Antes de mais, porque existe hoje um grande conhecimento tecnológico. E a facilidade de o partilhar e difundir alcançou, com a Internet, níveis nunca antes vistos. Além disso existe hoje uma "consciência" da Humanidade como um todo, muito diferente das situações passadas.
Entre as grandes questões que, a nível global, terão de ser contempladas num processo de transição, destaco a necessidade de conviver com o crescimento zero, de condicionar o crescimento populacional, de regular as emissões de CO2, e de equacionar o problema energético. O qual passa pelas energias renováveis e pela eficiência energética, e não pode ignorar a discussão da opção nuclear.
Portugal tem seguido um modelo de crescimento baseado no turismo e no betão, ignorando com displicência tudo o resto. Mas tudo indica que esse modelo está a esgotar-se. Manuel Pinho terá sido um Ministro da Economia desajeitado. Mas terá percebido isso, nos dias quentes do verão de 2008, quando disse que estava a chegar ao fim o mundo como até então o conhecíamos. Infelizmente não chegou a dizer como seria ele a partir daí.
Entretanto falam os oráculos em sinais de retoma, e na inversão da crise. E nós acalentamos a ideia falaciosa de que voltaremos em breve aos tempos antigos, em que "tudo será com dantes". Infelizmente é uma esperança vã.