sábado, 5 de dezembro de 2015

Camilo e o Marquês

Hoje tem escasso sentido visitar a ficção literária de Camilo, entre o tanto que nos reclama tempo e atenção. Já a sua prosa, em contexto extra-narrativo, continua irresistível e fecunda, dum mestre da nossa língua como há poucos.
O seu Perfil do Marquês de Pombal dá-nos ideia do espírito que o anima, e subjaz à reacção ultramontana ao livrinho da Rattazzi, um Portugal à vol d'oiseau.
Dum ensaísta que parte com estes pressupostos de alma, em relação ao objecto da sua análise, o que é que de realmente sério há a esperar?!

« (...) Ele [o marquês de Pombal] obrigava os pais a violentar o casamento das filhas. As suas noras foram violentadas. A mulher do filho José Francisco, aos quinze anos casada à força, repeliu o marido do tálamo conjugal com a desesperada resolução de se deixar matar virgem. O conde de Oeiras enclausurou-a no convento do Calvário de Évora, a ver se a reduzia aos deveres filóginos pela fome e pelos maus-tratos. A filha de D. Vicente Monteiro Paim manteve-se inflexível. Nove anos suportou a reclusão e saiu quando o marquês foi desterrado. O marido repulso, a besta lasciva, vendo que a não vencia, tinha exigido ao pai outra mulher. Anularam-lhe o casamento o núncio e o cardeal patriarca, para o maridarem com outra mulher violentada, a filha de Nuno de Távora, e sobrinha do marquês estrangulado. E, enquanto o pai agonizava no calabouço da Junqueira, era a desgraçada D. Francisca de Lorena arrastada ao altar para se ligar ao asqueroso conde da Redinha, que a outra intrépida criança repelira com asco. (...)» [Do Perfil, pág. 77]