Convirá sumamente destrinçar entre o homem que fala e o papagaio falante. Nada mais difícil e nada mais proveitoso.
O homem que fala elabora um pensamento, partilha concepções novas, oferece pistas de compreensão do mundo. Ilumina a escuridão que nos afoga.
Já o papagaio falante nunca arrisca. Prefere as águas turvas, ambíguas, movediças, donde espera sair de pés enxutos. Quando alguma coisa afirma, logo em seguida expõe o seu contrário, não vá perder nalgum dos tabuleiros.
O homem que fala acende uma luz própria, diz o que tem de ser dito.
O papagaio falante reflecte um sol alheio. Diz o que lhe encomendaram, ou o que lhe convém que seja dito.
O homem que fala ajuda-nos a pensar, mesmo se erra. Empurra-nos para a análise, estimula o espírito crítico, desperta a consciência. Dá-nos armas de defesa.
O papagaio falante convida-nos ao sono e quer-nos a ruminar. Usa cortinas de fumo e sabe muito bem o que é a alienação. O seu fim último é deixar-nos desarmados.
O homem que fala persegue a razão e a objectividade.
O papagaio falante foge delas, manuseia paixões e as suas manhas obscuras. Cultiva, com eufemismos, a parte vaga das coisas. E reduz a realidade às formas com que labora.
Ao contrário do homem que fala, o papagaio falante é multifacetado, pelas múltiplas razões por que chegou a sê-lo: a solidez da carreira, a subserviência ao poder, a humana sobrevivência, a indisposição mental para outra coisa.
O homem que fala cria, o papagaio falante apenas presta serviços: no púlpito, na academia, na tribuna, nos meios de comunicação, no foro, no palco, nas artes, (ah, nas artes!), nas tardes de domingo, nas segundas de manhã...
Um quer romper-nos o cerco, o outro existe para o perpetuar.