Faz parte dum modo peculiar de ver o mundo e a vida nele, de ver a arte e as relações humanas, e o modo de fazer política, e gerir a economia, e exercer um poder, o da cultura. De ver, ou de impedir que se veja. Não lhe escapa nenhum aspecto da vida, nenhum recanto da sociedade. Nas artes plásticas e performativas, na literatura, na música, no teatro, na dança, é duma vera enxurrada que se trata.
Cada tempo da história teve um espírito seu, sempre assim foi. Este é o de hoje, e é composto dum misto de cinismo e despudor, de efemeridade e caos, de hedonismo e de vazio, de provocação e desfaçatez, de destruição e de descrença, de desespero e desordem, de relativismo, de excesso, de irracionalismo.
Corresponde ao fim da linha em que se encontra a elite burguesa dirigente, enfim só e globalizada, exaurida e esgotada, sem soluções para o mundo absurdo que engendrou. É um fruto do endeusamento do mercado como valor supremo.
Os figurantes da cena contemporânea não procuram emoções estéticas, são agentes de mercado. Nem ela existe para gerar significados, antes para fazer negócios. Vive em circuito fechado. Do público não espera espírito crítico, uma vez que lhe reserva o papel de béstia ruminante.
O criativo contemporâneo capturou o estatuto duma vaca sagrada. Segrega arte porque ele próprio o afirma, enquanto larga poias pela rua. O seu vulto de iluminado e as respectivas criações são indiscutíveis, face a tamanha ignorância e tacanhez. E o público, que é bem-mandado, torce o nariz e silencia.
O distante Wahrol, que como ser humano era um escroque e como artista um farsante, foi o primeiro papa deste evangelho apócrifo.