sábado, 11 de setembro de 2010

Litografia

[Sá Nogueira]

Então a minha mãe voltava-se para a janela, creio que para ver melhor e não errar. Entalava o corpo da galinha nos joelhos, com a esquerda segurava-lhe a cabeça por cima da tigela, enquanto a mão direita lhe apontava, ao comprido da crista, o fio duma faca.
A galinha esperneava ao golpe na cabeça. E à medida que o sangue gotejava, tingia-se a malga de vermelho, até ela ficar apaziguada.
A mão que, às manhãs de gelo, me trazia à boca ainda adormecida uma colher de mel, era a mesma mão que manejava a faca.
E agora que eu já cresci, e me fiz velho, e descobri que todas as galinhas têm alma igual à minha, como é que eu resolvo isto?