Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Nos anos recentes, sobretudo a partir de 1998, ano da publicação no Scientific American do artigo The Coming Oil Crisis, de Colin Campbell e Jean Laherrère, a questão energética e o provável esgotamento dos combustíveis fósseis num curto horizonte temporal tem vindo a ganhar grande relevância nos fóruns de discussão entre especialistas. Mormente na Internet, a discussão tem-se centrado sobretudo nos EUA, no Canadá, na Austrália e na UE. E embora timidamente, o assunto começa a ser tratado nos mass-media, sobretudo nos mais especializados.
Esta é, no entender de muitos especialistas, a questão central dos nossos dias. Os combustíveis fósseis são o principal recurso da nossa civilização. Moldaram o nosso modo de vida, alimentam o nosso modelo de crescimento económico, e permitiram a explosão populacional do último século. Porém, tal como aconteceu na Ilha da Páscoa, a Civilização, tal como a conhecemos, poderá não sobreviver ao esgotamento do seu principal recurso.
Quando falamos de combustíveis fósseis, é de petróleo, de gás natural e de carvão que estamos a falar. São compostos (ou misturas de compostos) com fórmulas químicas diferentes. Mas têm em comum o facto de armazenarem energia nas ligações do átomo de carbono. Essa energia liberta-se sob a forma de calor, quando o carbono desses compostos se combina com o oxigénio (O2) para formar o anidrido carbónico (CO2). Na natureza, este chamado ciclo do carbono é um ciclo longo, que se pode traduzir no seguinte esquema:
Energia Solar + CO2 -> Carbono +O2 -> CO2 +Energia Térmica
Num extremo da cadeia está a energia solar, e no outro extremo está a energia térmica. No fundo, é como se o anidrido carbónico absorvesse a energia solar (uma árvore a crescer é disso perfeito exemplo), a qual é posteriormente libertada, na combustão do carbono. O carbono funciona, neste caso, como um transportador, ou carrier de energia.
A grande diferença entre os dois processos do ciclo (a acumulação e a libertação da energia) está no tempo em que decorrem: a reacção simbolizada na primeira seta – a formação dos combustíveis fósseis - demorou milhões de anos a ocorrer; ao passo que a reacção da segunda seta - a utilização desses combustíveis - decorre no espaço de algumas décadas. Tudo se passa como se um tesouro tivesse sido acumulado ao longo de muitos anos, e fosse dissipado num ápice.
Não existem quaisquer dúvidas de que os combustíveis fósseis vão escassear no futuro. Não irão desaparecer do pé para a mão. Mas vão ser cada vez mais raros, o custo de os extrair aumentará, e aquilo que era barato vai passar a ser caro. Isso vai implicar um momento a partir do qual se verificará uma redução na produção desses combustíveis. Nesse momento atingiremos um máximo de produção, e é esse máximo que se designa por “pico” de produção.
Entre todos os combustíveis fósseis, o petróleo é aquele que mais nos preocupa. Por ser mais conveniente de usar e armazenar, por ser mais fácil de transportar, e por ser o mais adequado à indústria dos transportes. E o “pico do petróleo” está à vista. Poderá estar a ocorrer neste momento, mas só será identificado depois de ter acontecido, como se estivéssemos a olhar pelo retrovisor do tempo. Uma tal conclusão ganha força. E a própria Agência Internacional de Energia não a enjeita, ao rever a cada ano, sempre em baixa, as previsões para os anos próximos. Embora não a apresente de modo muito explícito, para evitar alarmismos.
A alternativa das energias renováveis é uma via possível, mas não é a solução. Em primeiro lugar porque isso obriga a investimentos massivos, que vão usar o petróleo. E depois porque o seu retorno energético (relação entre o input e o output de energia) será muito inferior ao que é proporcionado pelo petróleo convencional.
O que temos como certo é que a ocorrência do “pico do petróleo” vai ter como resultado mais evidente a redução do crescimento económico. Isso vai pôr em causa o modelo que está subjacente à economia, o qual se baseia exactamente no crescimento contínuo do PIB. É quase certo que a actual crise tem como causa central, precisamente, a carência de crude, associada aos elevados preços que ele tem vindo a atingir, nas bolsas de matérias-primas.
O mundo tem pela frente um extraordinário desafio: insistir no esgotado modelo de crescimento contínuo num mundo finito, ou adaptar-se a viver com menos recursos, e com um crescimento mais reduzido ou mesmo nulo. Serão os economistas, educados a raciocinar apenas em contexto de crescimento contínuo, capazes de resolver este dilema?!