Assim desabrida e rude, desta forma se exprimiu a polémica surgida entre um grupo de ex-combatentes da guerra colonial e o escritor António Lobo Antunes. À exacta e justa medida de qualquer dos contendores.
Em causa estavam afirmações do escritor, a propósito da guerra: a desmedida violência experimentada, as baixas de 150 homens num batalhão de 600, e a contabilidade dos famigerados pontos, que eram a forma de rodar para um lugar menos agreste.
A primeira questão a esclarecer é a da ficção literária, que se não submete às leis do discurso historiográfico. Abundam por aí vastos equívocos. Porque a ficção cria um universo ex-nihilo. O que ela narra não é o acontecido, mas o que bem podia acontecer. Uma vez que o narrado tem que ser verosímil e plausível.
Ora as polémicas afirmações de ALA são feitas numa conversa com o jornalista. Não estão integradas em qualquer narrativa literária, não são uma página da literatura. Pertencem ao discurso da história, que não ao da ficção. Têm por isso que respeitar o vivido, para não se confundirem com charlatanice bêbeda.
Os ex-combatentes ganham aqui a primeira cartada. E ganham outra logo em seguida, porque nenhum batalhão da guerra colonial sofreu baixas de 25%. Se ALA, lá nas Lundas onde esteve, experimentou violências desmedidas, então nunca viu lobo pequeno, conforme diria o outro. Tivesse ele andado por Cabo Delgado, ou pela santa província da Guiné, e não sei o que diria.
Com a teoria dos pontos, perde a cartada terceira. Mesmo que ela alguma vez tivesse estado em vigor, para aferição do ardor patriótico dos escalões superiores, transformado em medalhas ou benesses, nunca houve dela o mais leve sinal ao nível do soldado atirador, ou do alferes médico exilado no mato.
É pena ver um homem que se quer do espírito e do pensamento a dar razão de protesto e argumento a muitos outros, de quem se não esperam ensinamentos úteis. Mas a vida é assim, e o génio tem limites, mesmo lá onde for real e verdadeiro, isento de objecção. E tal não é o caso, manifestamente.