O homem recebera das mãos da pátria vinte soldados e uma missão sagrada: ocupar a cidade à beira do rio e manter a soberania no território, que se estendia por uma orla de floresta e duas bolanhas lamacentas, onde trotavam caranguejos cegos.
Logo mandou encerrar a cidade em longas espirais de arame farpado, aplicou-se a organizar o terreno, construiu abrigos com troncos de palmeira. Todos os dias formava as tropas na parada, trazia a pátria ao discurso e mandava publicar as ordens de batalha. E ao fim do dia, da furna escura do abrigo, espreitava o crepúsculo breve, que fugia para o mar.
De início, o inimigo andava escondido pelos trilhos esconsos do mato, longe do soar dos clarins que içavam a bandeira, todas as manhãs. E o soldados faziam longas nomadizações na floresta, para conhecerem o mundo e deixarem um rasto da pátria no território. Depois o inimigo começou a aventurar-se nas picadas, e logo o homem fez avançar o esquadrão dos bombardeamentos aéreos.
Quando um grupo de inimigos se aproximou do rio e bombardeou a cidade, os primeiros soldados foram devolvidos à pátria distante, metidos em caixões. O homem fez disparar os pesados canhões a limpar o terreno, e do fundo do abrigo ficou a espreitar o crepúsculo de sangue, que morria no mar.
Numa madrugada em que o inimigo veio encostar-se ao arame farpado e largou as primeiras granadas na boca estreita dos abrigos, o homem lançou todas as tropas na luta corpo a corpo. Mas teve que bater em retirada a coberto da noite, com os mortos a proteger as costas dos vivos, antes de serem metidos em caixões.
Desde então o homem passou a viver na floresta, com os soldados que restaram. Camuflou casamatas de bambu sob as árvores, e enterrou abrigos de palmeira por baixo da terra, para resistir aos bombardeamentos aéreos que vêm de longe e devastam a mandioca estendida ao sol. Quando vão à pesca no rio, os soldados tropeçam nos caranguejos cegos que trotam na bolanha. E apagam cuidadosamente qualquer rasto da pátria, quando ousam aventurar-se nas picadas.
Um dia o homem reuniu os soldados, aproximou-se do rio e bombardeou a cidade. E numa madrugada foi encostar-se ao arame farpado, para lançar as granadas na boca estreita dos abrigos. Depois da luta corpo a corpo, o inimigo bateu em retirada, e o homem ficou a olhar o crepúsculo febril que se afogava no mar. Em frente da cidade, mandou chamar os correspondentes das agências e declarou emancipado e livre o território. É que tudo na vida tem um fim. Mesmo o sonho ébrio das epopeias.