Filhos da terra há muitos neste mundo, são mais os filhos da terra que as mães deles. Napoleão foi um filho da sua terra, e bem pequenos eram, uma e outro. O próprio Al Capone o terá sido, embora não saibamos bem qual era a mãe.
A maior parte dos filhos da terra dão em benfeitores das mães. Antigamente inauguravam fontanários, hoje em dia financiam paragens de autocarro, onde os cachorros vadios urinam a recato. E além da generosidade benemérita, o que nos filhos da terra mais espanta é o currículo das acções. Uns distinguem-se pelo mais, outros pelo menos. Estes por aquilo que fizeram, aqueles pelo que deixaram de fazer. E todos eles nasceram gente pobre. Os ricos nunca são filhos da terra, por serem normalmente os donos dela. Um dia sobem na vida, enriqueceram, umas vezes as mães entendem como, e outras não. Mas o orgulho das mães dos filhos da terra nunca diminui por isso. É sempre respeitoso e enlevado.
Os filhos das várias terras conhecem-se uns aos outros, à distância. E dão-se bem entre eles, mesmo quando nada parece ligá-los. Será por faro ínvio. É o caso exemplar de Pereira Dias e o caso notável de Dias Loureiro. Nada os aproximaria, além do vago pormenor da onomástica.
Pereira Dias nasceu numa família exemplar, pois sempre fez o que pôde para não morrer à fome. Possuía uma carroça e um cavalo, vendia miudezas nos mercados, usava a lenha alheia dos pinhais. Quando lhe chegou o tempo, o rapaz foi para a Europa a governar melhor vida. Mas voltou pouco depois. Fez-se empresário de múltiplas empresas, muitas máquinas, terraplenos, estufas de pepinos, cavalos de volteio. Diz-se que tinha ao serviço umas parelhas de mulas, por causa das exigências da agricultura intensiva. Tão fastos lhe eram os ventos, e tão disponível o dinheiro, que nem havia o que fazer com ele. Nas comemorações de aniversário, toda a vereação municipal lhe vinha comer à mão. E às festas íntimas acorria gente grada, pares de indústria, ex-ministros, caso de Dias Loureiro, outro exemplo notável de filho da terra dele.
Cresceu a ver medir chitas, ao comprido duma vara. E quando lhe chegaram os ventos do sucesso foi deputado, ministro, conselheiro da nação, homem de armas, eu sei lá, um dínamo empreendedor. São de então as amizades.
Mas a roda da fortuna é pouco de confiar. E a boa fada, que os reunia ao serão, deu lugar à fada má, que tratou de os separar. Hoje preferiam, um e outro, que não se falasse nisso. Pois aquilo de que já ninguém se lembra dispensa as explicações. E é mesmo por causa disso que aqui se fala do caso.