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- Bem alta, a sua casa!
E ao dizê-lo mirava o viajante um rodado de carroça encostado à parede, a escada para o minúsculo varandim ao longo da fachada, o tectozinho de alpendre incrustado no cimento, e o encume do telhado a sumir-se nas alturas. E, olhando, fica a saber que há anos é viúva esta mulher de preto, e se chama Benvinda. Foram os filhos e os genros a acabar esta construção, durante as férias, mas quem a começou foi o marido, também emigrado em França.
- Vinham para aí, depois que o meu homem fechou os olhos, não descansaram enquanto me não fecharam a obra. Agora tenho dois na Suíça, outros vivem aqui, olhe, um nesta casa, outro ali à entrada, tem lá uma oficina de carros.
O viajante pensa que esta mulher tem bons filhos e melhores genros. Lembra-se de ter visto no caminho alguém a remover a roda dum tractor, mas agora está mais interessado nas casas modernas que o cercam.
- Antes de vir para aqui morei ali abaixo, numa casa pequena. Esta ganhou-a o meu homem, mas já não se gozou dela...
Pois pena é, isto sugere o gesto do viajante, que já viu muitas casas modernas, em muitas terras do país, mas nunca tinha visto estas que agora vê. A mulher de preto fica a varrer o seu pátio, contente com a sua casa, e o viajante vai descer a encosta, para ficar a conhecer esta terra por dentro. Para ser de todo verdadeiro, o viajante está espantado com os volumes e as proporções da casa, mas não foi capaz de perguntar à mulher quantas vidas conta viver, para poder enchê-la de alguma coisa. E logo depara, à mão direita, com uma ruela antiga, das de saibro batido, que leva ao arrabalde do povoado, nas traseiras da casa da sua amiga Benvinda. Aqui estamos, por assim dizer, no mirante da aldeia, à nossa frente alarga-se a amplidão do vale. E ali nas nossas costas, colada ao monte, como se não tivessem passado aqui cem anos, permaneceu inteira uma ilustração do que a vida era, antigamente. É uma fiada de sete casas estreitas, todas vazias e da mesma altura, com baixos e sobrado, a pedra tosca nem toda rebocada, um janelico, uma porta. O viajante espreita por uma delas, vê os tabiques de madeira em ruína a separar divisões minúsculas, e fica um bom bocado a imaginar que vidas ali cresceram, que mundos ali foram sonhados, que sonhos podem ter cabido ali dentro. Ao fim da rua há hortas, há castanheiros tão velhos que parecem já cansados de viver, há um caminho que parte para a serra, e que o viajante não quer percorrer. Antes volta para trás, encantado com o que viu. O viajante acha estas casas pitorescas, acha deslumbrante o panorama que aos olhos delas se desdobra, e acaba a pensar que seria bom ficar aqui toda a vida. Aliciado por um esteticismo idealista e romântico, acha estas casas bonitas porque nunca teve que viver nelas, nem sofrer-lhes a falta de espaço, e o escasso pé-direito, e a miniatura incómoda das portas. Deixou-se levar pelo sortilégio do lugar, foi o que foi. Mas agora, que voltou a passar no adro, entendeu muito melhor a desmesura inestética destas casas modernas, sobretudo a da mulher de preto, que já acabou de varrer o pátio. Em sua casa, haverá cada um de poder albergar o corpo e os sonhos, que são tanto maiores quanto mais antigos, como é sabido. E assim abala contente o viajante, agora já sabe com que matérias vai a sua amiga, tão pequena sendo, encher uma casa tão grande.
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