Fôramos nós um povo ilustrado, conhecedor da história e atento aos seus sinais, e já saberíamos que os tempos actuais de penúria e desespero não têm nada de inédito. Antes foram uma constante, numa história desgraçada.
Desde a inútil aventura de Ceuta, que teve início na temeridade duma rapaziada de corte aventureira, para terminar na catástrofe de Alcácer, só variou a oportunidade dos factores. Na essência, raro saímos da beira do precipício.
Nunca tivemos a sageza, nem o merecimento, de aprendermos com os erros as devidas lições. Porque sempre nos dirigiram, e manusearam, elites de corruptos e traidores, que governaram a vida à custa das nossas misérias. Nesse aspecto os últimos trinta anos são exemplo transparente. Só o não vê quem não quer.
Nos picos mais agudos e aflitivos dessa errância, que mal merece o nome de percurso histórico, sempre as elites dirigentes abasteceram a escudela do povo com mitos, balelas épicas e trovas à la Bandarra. E ainda hoje continuam a fazê-lo, com a ajuda inconsciente duns quantos palermas úteis, que se prestam a adoçar-nos a amarga pílula dum suposto destino histórico e duma imaginária gesta imperial. Bastas vezes donde menos se espera.
É o caso do Fausto (Bordalo Dias), que em tempos, "por este rio acima", nos brindou com um disco de puro génio. Ateve-se, nessa altura, aos ecos da Peregrinação, do Fernão Mendes Pinto.
Agora resolveu dar-lhe continuidade, atento a outras memórias, a diferentes pesquisas, a estranhos depoimentos. No quadro dum império de pura ficção, que desde o início alienou o povo inteiro e agrilhoou o país à decadência e ao subdesenvolvimento, a música de Fausto vem confrontar-nos com quê?!
"Os motivos principais privilegiei-os neste disco. Há os que partiram pelo sonho, pela descoberta, e há os que o fizeram pela conquista de mercados. O Luís Cadamosto, que me inspira a dado momento, partiu para negociar cavalos e trazer ouro, especiarias. Privilegiei os sonhadores, os viajantes da descoberta e as gentes do negócio, que vinham para a troca. Procurei esquecer os expedicionários. (...)
As próprias expedições galvanizavam a população portuguesa até ao séc XIX. As multidões vinham para a rua ovacioná-los no regresso. Tiveram tanto impacto como uma viagem à Lua. Havia esse maravilhamento pelo desconhecido, que vinha já do séc XVI, mas que avançou até ao séc XIX, uma coisa espantosa." (do último ATUAL)
Não sei de que literaturas épicas se alimenta a trova do cantista. Sei só que o seu efeito é mais tóxico e mais alienante que o dos que fazem vida a promover o fado como património geral da humanidade. Essa cantiga doente, (está bem, pronto, plangente e fatalista!) que uma fidalguia viciosa apadrinhou.