Nessa altura não trabalhavam em Angola inteira mais que cinquenta portugueses. E a imprensa de Lisboa, já então povoada de marafonas míopes, chamava-lhes mercenários. Hoje são centenas de milhar, e a imprensa deixou de os insultar.
Nas ruas de Luanda, todas as manhãs, via-se passar o autocarro espanhol, que levava os meninos para a escola. E passava o autocarro ialiano, e o brasileiro, e o francês, a levarem para a escola os seus meninos. Não se via o autocarro português por não haver meninos para levar, nem uma escola para eles.
Um dia entrou-me no corpo um paludismo selvagem, que voltara aos charcos da cidade. Chamavam-lhe cerebral, e era fatal. E o Diógenes, um médico cubano com quem eu repartia garrafas de vinho do Douro, levou-me para o hospital. Após três dias nos cuidados intensivos fui parar à mesma enfermaria que vinte anos antes me acolhera.
Lembrei-me então do enfermeiro solícito, e das maxilas que deixaram de abrir. E estranhei o ambiente, que já não era o mesmo. Mas o pior de tudo era a dieta intragável.
Na cama ao lado estava um velho negro, a convalescer não sei de que mazela. E a família lá vinha todos os dias, mimá-lo com vitualhas, à hora do almoço.
Não sei o que ele viu no meu olhar. Sei só que um dia me estendeu um prato de comida, e me obrigou a aceitá-lo, num gesto que repetiu enquanto lá fiquei.
A mim custou-me um pouco, da primeira vez. Mas quando o cubano me deu alta já me tinha esquecido do enfermeiro antigo.