domingo, 3 de julho de 2011

Ecos da Sonora - XXXVII

LIBERDADE, Victor Cunha Rêgo, Ed. O Independente, Lisboa 2004

Jornal Estado de S. Paulo, 30 Abril 1961

Paris, Abril - A queda de Salazar, esse homem que já não consegue perceber o mundo em que vive, já não oferece problema. Pode ser uma questão de dias, uma questão de meses, mas todos sabem que se dará antes do fim do verão.
Não nos parece também oferecer dúvidas quanto ao tipo de governo que o vai seguir: um governo de transição estruturado nas forças que têm apoiado Salazar durante os últimos trinta e quatro anos, e integrada também pelos elementos não-salazaristas que vêm compondo aquilo a que se pode chamar Oposição Clássica.
Sobre isso não parece restarem dúvidas. O que angustia actualmente os portugueses não é saber como Salazar vai cair, nem quem o vai substituir. O que cada português pergunta a si próprio nestes momentos é o que vai ser do país depois destes primeiros lances de cúpula. O mundo sabe que o arranhão prestes a produzir-se no corpo salazarista tem de infectar, e é sobre essa infecção que se especula. (...)
Salazar está por dias ou escassos meses; em Espanha fala-se abertamente na "sucessão" de Franco para o próximo mês de Setembro. (...)
(Victor Cunha Rêgo)

"A adesão a uma greve no jornal em que trabalhava, em 1957, levou-o a Paris e a seguir para o Brasil (...). Em 1964, com o golpe militar no Brasil, exilou-se na Argélia. Morou na Jugoslávia - onde viveu por dois anos e teve ocasião de conhecer de perto o socialismo "alternativo" de Tito - e também na Itália, antes de retornar ao Brasil, em 1968 (...). No início de 1974 desembarcou em Lisboa".

"Ao acordar na manhã de 25 de Abril de 1974, Victor Cunha Rêgo abriu as cortinas do hotel onde estava hospedado e achou estranho que navios da esquadra portuguesa estivessem ao largo. Acabava de voltar dum exílio que durara 18 anos, a maior parte desse tempo no Brasil. Ligou a rádio do quarto, as estações tocavam música militar. Mas foi quando chamou o camareiro, para saber o que se passava, e este apareceu sem gravata, que se deu conta de que algo da maior importância estava a acontecer em Portugal".

"Nas duas décadas que se seguiram à Revolução, Portugal mudou muito e Cunha Rêgo também. O socialista que desembarcou do Brasil tornou-se social-democrata e depois conservador (...) e até católico nos últimos anos de vida".

[Tudo isto vem a propósito da inutilidade enfatuada de certos intelectuais amargurados.]