(...) Havia algo de profundamente disfuncional na família real portuguesa que a sua longa estadia no Brasil só veio acentuar. À medida que os anos passavam, as roturas familiares ganharam novas dimensões, os Braganças tornaram-se cada vez mais brasileiros (...).
Para as crianças da família real, a vida no Rio de Janeiro seria apenas uma continuação da conturbada educação iniciada nos tempos mais críticos da corte de Lisboa. A loucura da avó, (nenhum dos netos se recordaria dela lúcida) a separação precoce dos pais, e a divisão do lar real entre Queluz e Mafra tinham já desestabilizado a família. (...)
A educação dos infantes foi negligenciada no Brasil. As filhas mais novas eram praticamente analfabetas e, depois de anos de instrução, Miguel ainda tinha problemas com a ortografia do seu próprio nome. Pedro também escrevia mal, com erros frequentes de gramática e de ortografia. (...) Muito mais tarde tentaria emendar a lamentável educação que tivera, ordenando que os filhos seguissem um programa de educação severo, num esforço para assegurar que "o meu irmão Miguel e eu sejamos os últimos ignorantes da família Bragança". (...)
Havia algo de desenfreado, quase descontrolado, na infância e adolescência de D. Pedro no Rio de Janeiro, que deixaria uma forte marca na sua personalidade. (...) Embora destinado a governar, gostava mais de se misturar com a plebe do que com a nobreza, e enquanto jovem fazia digressões pelas tabernas do Rio, disfarçado com uma grande capa e o chapéu de abas largas dum cocheiro paulista. (...)
Sexualmente era tão descarado e estouvado quanto fora nas brincadeiras da infância. Corria a cidade em busca de mulheres, mandando parar liteiras na rua, e fazendo propostas a todas as passageiras bem parecidas que encontrava. (...) Tinha queda para estrangeiras - "italianas, francesas, hispano-americanas, algo diferente todas as semanas", de acordo com um contemporâneo (...).
O irmão mais novo, D. Miguel, também andava à solta no Rio de Janeiro. Só era coarctado pelos seus intermitentes problemas de saúde, que seriam graves. Considerado por muita gente filho bastardo, era o favorito de D. Carlota (...). Cresceria no mesmo ambiente anárquico que o irmão, mas veio a revelar uma personalidade mais sinistra. Tornou-se um toureiro fanático e caçava veados. Os vendedores ambulantes fugiam para se abrigarem, quando D. Miguel ainda adolescente conduzia uma carruagem de seis cavalos a galope, pelo centro da cidade, atirando tudo pelos ares à sua passagem. (...)
O próprio D. João não se livrou de escândalos, na sua passage pelo Rio de Janeiro. Circulavam boatos, oriundos do palácio, acerca da sua excessiva afeição pelo camareiro (...). D. João outorgara a este mesmo servidor o título de Visconde de Vila Nova da Rainha, uma honra inédita para um criado real. Os rumores - que iam ao ponto de acusar o príncipe de práticas homossexuais - são escabrosos, embora possam ter origem em invejas da corte. (...)