"(...) Anos de gastos excessivos durante o reinado de D. João deixaram o Rio na bancarrota. A saída de capitais que acompanhou a família real no regresso a Lisboa provocou uma crise no território, e o novo regente, D. Pedro, começou a cortar nas extravagâncias do pai. A corte possuía mais de mil cavalos quando D. João partiu para a Europa. Tirando 156, todos foram vendidos. O pequeno exército de funcionários das cavalariças reais foi despedido e substituído por trabalho escravo.
Outros exageros acabaram. O mundo da música sacra e da ópera que D. João tinha construído durante a sua estadia foi desmantelado, a começar pelos salários exorbitantes dos castrati italianos. Neukomm seguiu-os de volta para a Europa, deixando atrás de si um coro reduzido e mal pago, dirigido por José Maurício e Marcos Portugal.
O golpe de misericórdia viria mais tarde, em Março de 1824, quando o teatro real foi destruído por um incêndio. O jardim botânico também passou por tempos difíceis. (...)
A 4 de Março de 1826, quatro meses depois da assinatura da perda do Brasil, D. João deixou a sua residência secundária, o convento da Bemposta no centro de Lisboa, para um passeio de carruagem. Ia ver uma procissão, mas parou no caminho para comer o seu prato favorito - galinha frita em manteiga, uma fatia de queijo e algumas laranjas. Quatro horas mais tarde vomitou aquilo que seria a sua última refeição completa. No regresso ao convento teve convulsões e desmaiou. (...) Perguntaram a D. Carlota se queria ver o marido, mas ela desculpou-se, dizendo que o seu estado de saúde não lhe permitia deslocar-se, embora estivesse apenas a poucos quilómetros, em Queluz. No fim de semana o rei morreu. (...)
D. Carlota não teve muito tempo para gozar o êxito do seu filho favorito. Morreu sozinha no leito em Queluz, dois dias antes de D. Miguel tomar o trono. (...)
O seu legado, uma família e um país em guerra, manter-se-ia vivo e teria um final apropriado: em 1831, D. Pedro regressou a Portugal para comandar os liberais na luta contra os absolutistas miguelistas.
O conflito durou anos, e Portugal foi uma vez mais despedaçado. A vitória final de D. Pedro só acalmou temporariamente o país que, ao longo de décadas, ainda sentiu os efeitos de treze anos de abandono. (...)