quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A história duma ideia perigosa 6

(...)
«Então porque é que os governos europeus fazem o grande "engodo e desvio", e depois culpam os fundos [dívidas] soberanos de tudo, por terem gasto demais? Basicamente é porque numa democracia dificilmente se pode ser honesto acerca do que se está a fazer, e esperar sobreviver. Imagine-se um político europeu importante a tentar explicar por que razão um quarto da Espanha precisa de estar desempregado, e por que razão toda a periferia europeia precisa de estar em permanente recessão, para salvar uma moeda que só existe há uma década. Como soaria isso? Suspeito que seria mais ou menos assim:

Concidadãos! Temos andado a dizer-lhes nos últimos quatro anos que a razão pela qual estão sem trabalho, e a próxima década será miserável, é que os Estados gastaram demais. Portanto agora precisamos todos de ser austeros e de voltar a algo chamado "finanças públicas sustentáveis". É porém tempo de dizer a verdade. A explosão da dívida soberana é um sintoma, e não uma causa, da crise em que nos encontramos hoje.
O que realmente aconteceu foi que os maiores bancos dos principais países da Europa compraram muita dívida soberana aos seus vizinhos da periferia, os PIIGS. Isso inundou os PIIGS com dinheiro barato para comprar produtos básicos do país, donde os actuais desequilíbrios das contas da zona euro, e a consequente perda de competitividade dessas economias periféricas. (...) 
Isso estava tudo a correr bem até os mercados entrarem em pânico com a Grécia e perceberem, através das nossas respostas de "empurrar com a barriga", que as instituições designadas para gerir a UE não conseguiam lidar com nada disto. (...)
O problema é que tínhamos abdicado das nossas impressoras e de taxas de câmbio independentes - os nossos amortecedores económicos - para adoptar o euro. (...)
Enquanto a Fed e o Banco de Inglaterra podem aceitar os activos que desejarem em troca das quantias em dinheiro que quiserem distribuir, o BCE está constitucional e intelectualmente limitado no que pode aceitar. (...) É mesmo bom a combater a inflação, mas quando há uma crise da banca é praticamente inútil. Tem adquirido novos poderes a pouco e pouco, ao longo da crise, para nos ajudar a sobreviver, mas a sua capacidade continua a ser muito limitada.
Agora junte-se a isso o facto de o sistema bancário europeu como um todo ter três vezes o tamanho do sistema bancário norte-americano e estar aproximadamente duas vezes mais alavancado do que ele; aceite-se que o BCE está cheio de activos de baixa qualidade que não pode eliminar das contas, e vê-se que temos um problema.(...) A resposta curta é que não conseguimos corrigir o problema. A única coisa que conseguimos é "empurrar com a barriga", o que se concretizará numa década perdida de crescimento e de emprego.
Estão a ver, os bancos que resgatámos em 2008 obrigaram-nos a assumir todo um carregamento de nova dívida soberana, para pagar os prejuízos deles e assegurar a sua solvência. Mas os bancos nunca recuperaram realmente, e em 2010 e 2011 começaram a ficar sem dinheiro. Portanto, o BCE teve de agir contra os seus instintos e inundar os bancos com mil milhões de euros de dinheiro muito barato, as Operações de Refinanciamento a Longo Prazo, quando os bancos europeus já não eram capazes de obter dinheiro emprestado nos EUA.»
(Continua)
[Austeridade, Mark Blyth, Ed. Quetzal, Out. 2013]