terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A história duma ideia perigosa 4

(...)
«Na Europa [na Primavera de 2010] o BCE causticava a Grécia como sendo o futuro de todos os Estados europeus, a menos que os orçamentos fossem cortados. O momento da austeridade ao sol tinha chegado por obséquio dos gregos. A ofensiva contra o keynesianismo a nível global ficou ligada à descoberta da crise da dívida grega, e amplificada através da ameaça de contágio, para estabelecer a austeridade orçamental como nova política du jour. Mas ao fazê-lo confundiu-se causa e correlação muito deliberadamente, em grande escala.
O resultado de todo este rebatismo oportunista foi a maior operação de "engodo e desvio" da história moderna. O que eram essencialmente problemas de dívida do setor privado foi rebatizado como "a Dívida" gerada por despesa pública "descontrolada". Todavia, de todos os PIIGS, apenas a Grécia foi, em algum sentido significativo, libertina. [E para comprar os aviões franceses e os submarinos alemães, por causa da situação de fricção com a Turquia à volta de Chipre]. A Itália pode ter sido relaxada, mas ninguém se importava que tivesse o maior mercado obrigacionista do mundo até 2010, quando o contágio e a demografia fizeram os detentores de dívida italiana parar para pensar.
Portugal talvez tenha gasto uma quantia bastante grande a modernizar as suas infraestruturas. Na Irlanda e na Espanha foram crises essenciais do imobiliário e da banca do setor privado, governadas por Estados orçamentalmente mais prudentes do que a Alemanha, onde os riscos foram socializados enquanto os lucros foram privatizados. Em todos os casos, as fraquezas do setor privado acabaram por criar responsabilidades do setor público, que os europeus têm agora de pagar com programas de austeridade que pioram a situação mais do que a melhoram. A crise orçamental de todos esses países foi a consequência da crise financeira que lá deu à costa, e não a sua causa. (...)
Para compreender realmente a razão pela qual a Europa tem vindo a retalhar-se até à insolvência, precisamos de incorporar estes fatores ideológicos e políticos muito reais num relato do modo como o euro, enquanto divisa, permitiu o desenvolvimento dum sistema de bancos que é demasiado grande para falir. Se os EUA tinham bancos que eram demasiado grandes para falir, a Europa tem um sistema de bancos que é colectivamente demasiado grande para falir ou resgatar. Isto é, não há fundo soberano que possa cobrir os riscos gerados pelos seus próprios bancos, porque são demasiado grandes, e o fundo soberano não tem impressora [de euros]. Neste mundo pode não haver resgate suficientemente grande para salvar o sistema, se ele começar a falhar. Consequentemente, não se pode permitir que o sistema falhe, que é a verdadeira razão pela qual temos todos que ser austeros. (...) Mais uma vez precisamos de salvar os bancos deles mesmos.
[Austeridade, Mark Blyth, Ed. Quetzal, Out.2013]