quinta-feira, 7 de junho de 2012

Enormidades

Já em tempo aqui foi sugerido, que o pensamento das nossas elites dirigentes (políticas, económicas, jurídicas, religiosas, culturais, académicas, sociais e outras) teve sempre, desde há muitos séculos, um traço essencial: olhar para o povo de Portugal e ver nele gado avulso de exportação. Em vez de gente, em vez de um conjunto de homens e de cidadãos, com uma cidade comum a construir.
O momento original vem desde Ceuta, que inaugurou há séculos a aventura criminosa do além-mar. Uma canalha de corte, feita de aventureiros vaidosos e de traidores cúpidos, (esses mesmos que ficaram como os heróis melhores dos nossos mitos de sempre) trucidou todos quantos se lhe opuseram, e empurrou o país para um rumo que só podia levar ao descalabro e à ruína. Entre o mais, porque a população portuguesa, no ano de ir à Índia, pouco mais era que um milhão de habitantes. Muito em breve o país sucumbia, e o povo de Portugal ainda hoje não sabe quem é.
Quer isto dizer que Portugal foi sempre governado por traidores?! Individualmente não. Em todos os tempos houve figuras notáveis, algumas modelares, que oportunamente ficaram sem cabeça. Mas colectivamente sim: Portugal foi sempre governado por elites que o traíram. Mudaram os modos da traição, conforme os tempos. Mas ainda hoje elaa se mantém.
A ironia mais cínica da história, que é sempre implacável nas contas, está naquela fotografia do Gageiro de 1975 (será do Cunha?), que nos mostra no cais de Belém o Navegador de Pedra (o maior pulha da história nacional!), cercado de caixotes e destroços do império, do desespero de quem chegava e da miséria de quem já cá vivia.
Ali ao lado sorria o Velho do Restelo. Mas esse era um desqualificado, um marginal, um pusilânime que ninguém levava a sério, conforme decretara há muito a ideologia oficial. Conforme volta a lembrar.
As enormidades últimas do Relvas, sobre o nosso futuro brilhante de exportadores de cabeças grandes, revelando um pensamento antigo, são a última forma de insulto que as nossas elites nos disparam. Mas têm um aspecto positivo, exactamente por serem tão primárias. Exprimem claramente o que está lá dentro, mostram a fractura do osso, e não nos alienam com floreados. É uma qualidade do Relvas, que não serve os seus patrões, e acabará por lhe ser fatal.