sábado, 23 de junho de 2012

Ecos - 8***


Acreditareis se vos disser que fiquei em grande sobressalto, quando acordei de manhã cercado por um destacamento de pulgões, que me entraram pela porta do terraço. Estremunhado e confuso, terei feito a figura que se imagina. Porém, chegando à fala com o comandante daquela tropa, que era um sargento, fiquei a saber das razões de tão estranho caso, e fui informado de que estavam ali para me dar voz de prisão.
A minha intenção era boa, e dispenso-me de explicar por que resolvi plantar um pé de salsa num vaso, ali ao sol do terraço. Quis trazer o campo para a cidade, mas estava longe de imaginar em que fadários me enrolava.
O pé de salsa começou a crescer, tenro e mimoso como é da sua competência, mas um dia descobri que uma praga de pulgões tomara conta dele. Eu respondi com a bomba de shelltox e não pensei mais no assunto. Quando tudo voltou a acontecer, ainda retaliei com dose redobrada, por tal modo que o pobre pé de salsa parecia um pinheiro de natal, afogado em químicas brancas. Desisti mesmo de usar a erva na cozinha, pelo menos enquanto o inverno não viesse lavar aquilo tudo. Mas os pulgões não desarmaram, e pela terceira vez tudo voltou ao mesmo. Ciente, enfim, da grande força do que tem que ser, desisti de combater a praga, e abandonei o arbusto à sua sorte. Os pulgões devorá-lo-iam até às raízes, acabando exterminados pela própria gula.
Muito se engana quem cuida. Pois o destacamento que estava ali para me prender era a resposta ao meu desleixo comodista, era a vingança das minhas cínicas maquinações, disse-me o sargento. Havia não quê de direitos adquiridos, e não sei quanto de legítimas expectativas a caminho de se frustrarem.
Desarmado por tão irrecusável narrativa, só vi uma saída. Fui buscar a caderneta dum vago tenente de bigodes que o mofino desfecho de la lys me deixara em herança, e recusei dar-me à prisão por um sargento. Lembrei-lhe que não havia em curso processo revolucionário algum, que o último já passara havia muito, e que ninguém pode ser preso por patente inferior. Na verdade pouco tenho ido à rua ultimamente, e não estava seguro de haver ou não outra revolução, motivo é o que nunca falta. Mas o facto é que o inimigo não contava com esta arma secreta e vacilou perante a manobra, senti-o perfeitamente. Eu levantei-me para explorar a débil vantagem, enquanto ia dissertando sobre regulamentos. E a tropa lá retirou para o terraço sem mais desacato, certamente para fazer o relato da missão ao general. Quanto ao resto, quem viver verá, foi o que à saída me deixaram dito.
Eu fico à espera dos lances seguintes. Aguerridos como já se viu, os pulgões estão por hora confinados ao terraço, talvez me dêem tempo para as manobras de resistência adequadas ao caso. Além disso o pé de salsa um dia vai esgotar-se e eu terei a meu favor a ruptura de abastecimentos do inimigo. Não é fácil subir rações de combate pelo algeroz do terceiro andar, e menos ainda caixas de munições. Se vir o caso mal parado, terei de recorrer aos medianeiros da onu. O que eu não quero é ter de voltar aos bombardeamentos aéreos do tempo da guerra na guiné.
***Eco de 2002