Entramos todos no 15, ele atrás dela, ali no Cais do Sodré. E muito antes de se chegar a Santos, há-de ela conceder que vem de Itália. Ele é estranhamente quarentão, a grenha hirsuta, as muletas a amparar-lhe o pé de gesso.
− Falas português?
− Um pocô!
− Hoje no Centro Cultural de Belém arte moderna Berardo, último dia, entrada livre!
Eu registo-lhe a fausta novidade. Ela é que não dá sinais de comoção.
− Speak english?
− Um pocô!
− Today Centro Cuturral Belaim, modern art Berardo, no money!
Passa a travessa das Galeotas, e ela impassível às formas.
− Sprich dóitsch?
− Um pocô!
− Centro Cuturral Balaim, art modern Berardo, geld nix!
Passa a travessa dos Escaleres, e ela alheada das cores.
− Hablas espagniol?
− Um pocô!
− Hoy Centro Cuturral Belén, arte moderna Barardo, no dinero!
Passa o beco do Chão Salgado e ela insensível a tragédias, indiferente a criatividades. E sou eu quem aproveita a borla, que eles lá seguem no torpedo cego.
O Centro Cultural tem fotos de Jorge Molder, e corredores muito frescos, e multidões no seu footing, a digerir o almoço e as emoções estéticas. Há mães aflitas a perguntas das crianças, e perplexos pagadores de impostos com ar de quem jurou calar a boca.
Eu acabo a mergulhar na luz divina do Tejo, ao fim da tarde. Arte pura há-de ser a dos dois poliglotas, numa rua qualquer da Cruz Quebrada, nalgum descampado do Jamor. Mesmo de borla, a do comendador congela excitações.