quinta-feira, 9 de outubro de 2008

da capo - 14

VIRADEIRA
O facto é que depressa nos cansámos. De fazer andar as fábricas de panos, de plantar vinhas novas, de aprender alguma coisa nas escolas, de blasfemar contra a fatalidade. E de ver a espirrar o sangue azul dos Távoras, que nos enterneceu o manso coração. De modo que, morto el-rei, voltámos aos marialvas, às procissões, à fadistagem e aos pátios das cantigas.
Ele havia umas estradas, no reino, por fazer. E logo se mandou que uns alvenéis lavrassem, numa serra, uns marcos monumentais, para assinalar cada légua aos viandantes. Dispunha cada marco dum relógio de sol. Porém algumas léguas terminavam à sombra, como é frequente acontecer, quando o sol se lembra de acordar. E, ou bem que se ofendia o rigor das medições, ou se esbanjavam custas em relógios inúteis.
Não chegou o desempate a ir a cortes, nem se lhe alcançou resolução. E as estradas lá ficaram por fazer.
Veio-me à lembrança um tal aperto, a propósito dum aeroporto que também anda aí nas mãos da viradeira.