segunda-feira, 27 de outubro de 2008

da capo - 15

SOLSTÍCIO
A estrada serpenteia pela encosta e a aldeia é surpreendente, assim arejada e branca, no cimo da subida. Tem casitas das antigas, onde só dobrado entrava um homem. E vivendas do minério, feitas no tempo da guerra, de cantaria rude. E as casas da emigração, airosas como caixotes de marçano, e tão omnipresentes como os deuses.
A gente é pouca, mas ainda assim compõe a procissão que já vai a sair para o arrabalde, a caminho do monte. Vê-se um pombal em ruínas, hortas com almendras desgarradas, campos que já deram pão. O resto é fraguedo e matos.
Há milhares de anos que é assim. Coloca-se a vestal num côncavo da pedra, a olhar por cima do rochedo. Ao longe o sol mergulha sobre um monte. E a multidão assiste, com ramos de oliveira na cabeça e capelas de flores na mão.
O celebrante veio da cidade, a cumprir o ritual. É ele o mais pagão de todos, e tem cabelos compridos, como os cristos. Entoa poemas da Bretanha, escuta as gaitas de foles que vieram de Miranda, os bombos de pele de cabra, e pede compostura à multidão. Mas há uns noviços que vêm de moto-quatro, e tratam o sol por tu, e não ligam patavina.
Alinhado com a vestal e o rochedo, no monte para lá do vale, o sol morre lentamente, no solstício do verão.
– Agora, mais, só para o ano! – alvitra um homem careca.
– E daí, quem sabe lá! – arrisco, numa descrença.
E olhando as vinhas do vale, não sei o que me é mais comovente. Se o sol que foi dormir atrás do monte e amanhã já vai embora, se os homens debaixo dele.