quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O mundo feito à mão

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal

World made by hand é o título do último livro de James Howard Kunstler, um escritor norte-americano que se tem notabilizado pelas posições críticas relativamente ao modelo de desenvolvimento existente no seu país, baseado no desperdício energético. Trata-se de uma novela cuja acção decorre numa pequena cidade americana, na era pós-petróleo. Através dela somos transportados a um mundo novo, sem electricidade, onde o homem e os animais voltam a ocupar o lugar que as máquinas lhes roubaram, e no qual as distâncias e o tempo são de novo percepcionados à medida do homem.
Já numa obra anterior
, The Long Emergency, editada em português com o título O Fim do Petróleo, o autor mostrara a dependência que a nossa civilização criou em relação ao crude, e as dramáticas consequências do seu previsível esgotamento num futuro mais ou menos próximo. O sucesso deste livro foi espectacular. Foi muito comentado, projectou o autor para as primeiras páginas dos jornais, e terá perturbado o sono de alguns leitores. Para muitos, terá sido o despertar da consciência para a nossa quase total dependência do crude, no dia a dia. E contribuiu também para ajudar a desfazer alguns mitos sobre o futuro energético, como as apregoadas soluções milagrosas dos bio-combustíveis, ou a chamada economia do hidrogénio.
Mas este autor tem outra faceta, expressa na obra
The geography of nowhere. Nela Kunstler debruça-se sobre os problemas do urbanismo, criticando asperamente as formas de vida e as soluções arquitectónicas que contrariam a eficiência energética. Considera o crescimento dos subúrbios das cidades americanas a maior tragédia do pós-guerra no seu país. As personagens centrais desta tragédia urbana são o automóvel e o centro comercial, personificado para ele na cadeia Wal-mart. Tudo gira à volta do transporte individual, o happy motoring, como ele chama ao circuito entre a garagem da casa, a garagem do emprego e o parque de estacionamento do centro comercial. Recorda com nostalgia a cidadezinha típica americana, feita à medida das pessoas e não dos automóveis, com a sua rua central e o seu pequeno comércio tradicional. Fala da destruição do caminho de ferro, e das suas nefastas consequências para um futuro sustentável.
São muitos os escritores, pensadores e economistas que hoje se questionam sobre o futuro da nossa civilização, e sobre a sustentabilidade dos actuais padrões de consumo.Exemplos disso são Joseph Tainter, que já há anos escreveu sobre o colapso das sociedades complexas; ou o famoso "Colapso" de Jared Diamond, prémio Pulitzer que ilustra com exemplos históricos o fim de certas civilizações (Ilha da Páscoa, os Maias, etc); e mais recentemente o escritor canadiano Thomas Homer-Dixon, que escreveu
The Upside of Down, à volta da mesma temática.
Aproximadamente, é esta a linha de raciocínio: as sociedades complexas podem colapsar, quando se esgota o seu principal recurso. No caso de Roma, o colapso aconteceu quando os cereais que alimentavam o império começaram a escassear. Ou quando, em razão da distância, das guerras, ou da baixa produtividade, a sua produção se tornou tão onerosa que o seu custo de produção deixou de compensar. Já na ilha da Páscoa terá sido o esgotamento da floresta que levou ao desaparecimento dos escultores das grandes estátuas.
Os combustíveis fósseis são o principal recurso da nossa civilização, e trouxeram-nos um progresso e uma complexidade nunca antes vista. O seu esgotamento próximo é o maior desafio que a Humanidade enfrenta. A actual crise financeira mais não é do que uma forma de expressão dessa crise energética. Ou por outras palavras, o crescimento económico está directamente relacionado com o crescimento dos recursos energéticos, e estes têm vindo a diminuir. Ora sem crescimento económico não é possível manter a funcionar uma economia baseada no crescimento contínuo, nem sustentar a estrutura financeira que lhe está associada. Curiosa tem sido a posição do professor Albert Bartlett, da Universidade do Colorado, para quem o maior defeito da humanidade consiste em não entender os limites e as consequências do crescimento exponencial.
Tão preocupante como a escassez de energia é a crescente dificuldade em produzi-la. A facilidade em obter um barril de petróleo mede-se pela quantidade de barris que se produzem com um único barril. É o chamado índice de retorno da produção de energia. Este era de 60:1 nas explorações de jazidas clássicas
onshore; pode ser de 10:1 nas jazidas deep water das bacias atlânticas de Angola e do Brasil; será de 6:1 nas areias betuminosas do Canadá; de 1,5:1 nos bio-combustíveis obtidos a partir do milho nos EUA; e possivelmente inferior a 1 nas serpentes marinhas que recolhem a energia das ondas, ao largo da Póvoa do Varzim.
James Kunstler estará em Lisboa no final desta semana, para proferir algumas conferências. Na manhã do dia 16 falará na Gulbenkian sobre energia e urbanismo, num encontro promovido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.No final da tarde, a convite da ASPO-Portugal, estará no Instituto Superior Técnico para falar do pico do petróleo. Será uma oportunidade única de ouvir o maior profeta de um novo mundo,
feito à mão, o qual sucederá ao mundo tal como hoje o conhecemos, e cujo fim foi há dias anunciado pelo nosso ministro da Economia.