quinta-feira, 11 de setembro de 2008

da capo - 7

TUDO PELA PÁTRIA
Manuel Passos é homem para sessenta. - Mais um pouco! - concede ele, a silvar a dentadura. Há trinta anos regressou de Angola e deixou passar o tempo. Logo que o génio lhe deu algum sossego, arranjou a caixa dos apetrechos. E quando está de maré vem abancar no Rossio, os olhos cheios de paisagens africanas. Toma o lugar do cliente, encosta-se à parede da farmácia, e fica-se a olhar os restos do império, que ainda passam.
Traz no braço dois obuses tatuados, pequeno espólio do servíço militar.
GAC 2 - Tudo pela Pátria - 1968
E ao mesmo tempo que vai puxando o lustro, olha de lado um africano enorme, que lá vai, de braço dado, com a sua matrona branca.
- Cada um com o seu é que estaria bem! Branco a branco, preto a preto! Mas cada um sabe da sua vida!
A matrona e o africano pararam no passeio, a quezilar com um patrício inconformado.
- A cabeça é o ponto fraco deles, vê-se na porrada e nos estudos. Não são dados a inventar, ficam-se pelo que ouviram. E nunca se atiram de cabeça!
As lembranças que me sobraram da guerra desmentem-lhe a teoria. Mas alimento a conversa e tomo notas.
- Isso é para quê, diga lá?!
- Para nada! É tudo pela Pátria!
O Passos põe-se a olhar os canhões que traz no braço. E sorri-me, displicente, já andava esquecido deles.