Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal
O fim do reinado do carvão como forma dominante de energia no mundo remonta aos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, quando Winston Churchill, então primeiro lorde do Almirantado, decidiu adoptar o petróleo para substituir o carvão como combustível dos vasos de guerra da Royal Navy. Foi em 1914 que o governo britânico se assumiu como principal accionista da Anglo Persian Oil Company. E, no final da guerra, assegurou o controlo do canal de Suez e o domínio da Mesopotâmia.
Perante a anunciada escassez e os elevados preços do petróleo e do gás, o carvão, que ao longo do séc. XX perdeu muita da sua importância a favor do petróleo, surge de novo como uma esperança para resolver os problemas energéticos do futuro. A produção e o consumo cresceram rapidamente nos anos recentes. E muita coisa entretanto mudou: o smog londrino transferiu-se para Pequim; assiste-se ao esgotamento das reservas e à diminuição da produção no Reino Unido, na Alemanha, na França e na Polónia; o carvão já não é utilizado para aquecer as casas ou para movimentar as máquinas a vapor, mas ainda assegura 40% da produção mundial de energia eléctrica.
Segundo a EIA (Energy Information Agency) seis países, com 84% das reservas e cerca de 80% da produção, protagonizam a cena mundial do carvão: a China, os EUA, a Índia, a Austrália, a Rússia e a África do Sul.
A China, responsável por um terço da produção mundial com 2,9 mil milhões de toneladas por ano, é o maior produtor e ao mesmo tempo o maior consumidor de carvão. O aumento do consumo nos últimos anos tem sido espectacular (crescimento anual médio de 17% entre 2002 e 2005!) prevendo-se a duplicação do seu consumo até 2025. Por tal forma que a China, antes um grande exportador, já irá importar carvão em 2008, e necessitará de importar muito mais no futuro, para fazer face às suas crescentes necessidades. O carvão é o primeiro responsável pelo milagre económico chinês. Isto à custa de elevados níveis de poluição, de emissão de CO2 para a atmosfera, e da perda de muitas vidas humanas. De acordo com um artigo do Times publicado em 2007, terão morrido, num único ano, 5000 mineiros em acidentes nas minas de carvão chinesas.
Os Estados Unidos, que produzem 50% da sua energia eléctrica em centrais a carvão, têm vindo a rever em baixa as suas reservas exploráveis, e prevêem reduzir as exportações daqui até 2025. A Índia depende do carvão para levar energia eléctrica a importantes zonas do país, e projecta construir novas mega-centrais térmicas. A África do Sul está a aumentar a sua capacidade de produção de combustíveis líquidos a partir do carvão na refinaria de Sasol, e projecta também duas novas centrais térmicas a carvão.
A Austrália é o quarto produtor e o maior exportador mundial de carvão, sendo o Japão, a Coreia, Taiwan e a Europa os seus principais clientes. No entanto as exportações da Austrália correspondem apenas a 5% do consumo chinês. A Colômbia e a Indonésia são dois países exportadores que têm vindo a crescer, mas serão insuficientes para satisfazer a crescente procura no futuro.
Existe a ideia de que as reservas de carvão poderão durar para muitos anos. A IEA estima que, com o consumo actual, o abastecimento estará assegurado por 160 anos. Porém, contrariamente ao que se passa com o petróleo ou o gás natural, os países produtores de carvão são também os grandes consumidores, de tal forma que apenas 12 a 15% da produção mundial se destina à exportação. E a tendência é para este valor diminuir no futuro, à medida que os grandes produtores forem aumentando o seu consumo.
O conceituado Energy Watch Group, no seu relatório anual de 2007, avança com a previsão de que a produção mundial de carvão irá entrar em declínio a partir de 2025.Um outro estudo de B. Kavalov, do Institute for Energy (IFE), realizado para a Comissão Europeia, aponta 2015 como o ano em que surgirão os primeiros problemas relacionados com a disponibilidade de carvão para importação, no mercado internacional.
Para países com uma forte dependência energética externa, como é o caso de Portugal, a avaliação tem que ser feita atempadamente. A nossa estratégia de diversificação e a aposta nas renováveis é a correcta, mas o carvão ainda é responsável por cerca de 30% da energia eléctrica que se produz em Portugal. Também nós vamos ter de enfrentar a situação de penúria que se avizinha. A escassez de carvão, associada aos elevados preços desta matéria-prima, terá um forte impacto na factura da energia eléctrica dos portugueses.