Gastei anos e anos em escolas, em universidades técnicas, a esgrimir contra fórmulas, a dissecar impedâncias, a sondar estados de alma em micro-chips. Tive uma bolsa na América, pós-graduei-me em sistemas, fui mestre em micro-correntes. E acabei autoridade na selva oscura da robótica.
Quando ousei aventurar-me no mercado, rejeitou-me o tecido empresarial por ter currículo a mais. E após várias peripécias acabei a retrair-me em casa, assustado com um país que me odiava a ciência, pensava eu.
Volvidos anos em negra depressão, constou-me um dia que toda a arte estava na iniciativa própria, na ousadia privada. E concluí que, assim sendo, o caminho era a arte.
Eu tinha construído, no desarranjo do quarto, meia dúzia de autómatos que jogavam à bola. Para me distrair. Fiz umas adaptações e deixei-os vaguear sobre uma tela. Um deles reproduzia na perfeição os tiques do urso enjaulado. Outro era mestre nos pânicos do polvo acossado, a disparar borrões negros. O mais sofisticado simulava orgasmos de coelho, e rematava a obra com o toque final do mestre.
Muito em breve não me saíam da porta as galerias, ninguém calava os mecenas, nem os conselhos de administração sedentos de arte não figurativa. Os meus robôs dilataram horários, organizaram-se em turnos, e nos picos da estação mourejavam em simultâneo, vinte e quatro horas porque o relógio mais não tinha.
Uma noite preparei-lhes o terreno, mergulhei o estúdio em luz febril, liguei-os no automático e fui-me à cama, tomado de stress. Na manhã seguinte achei estendido no chão um retrato da Mona Lisa, carregado de mistérios.
Antes que eu visse uma dinheirama a arder, fui-me logo aos robôs e arranquei-lhes as tripas. Era o que mais faltava, após tantas conquistas da modernidade, voltarmos agora à arte como imitação da natureza!