sábado, 3 de junho de 2017

O da Joana!

Ainda hoje, quando chega o Verão, a história se repete: a fábrica dos queijos, com o seu lago de efluentes a céu aberto, empesta o ambiente, mata as faunas do Távora e impede os camponeses de usar nas hortas as águas da corrente.
E no entanto Trancoso, através do Tribunal Europeu do Ambiente, já anunciou nos jornais a instalação dum projecto-piloto de cidade biológica. Mas isso foi há muitos anos, quando isto era o da Joana!
"(...) Aqui há uns anos, numa feliz conjugação astral, veio à fala o presidente da câmara com dois cidadãos do mundo. Eram eles um brasileiro de lusas raízes, arquitecto e compositor, entre mais dotes, e um Barbas de méritos prováveis de quem nada se apurou. Logo os três se deram conta de não existir no país uma entidade que congregasse os labores de artistas, filósofos, pensadores e cientistas. E consideraram Trancoso o lugar ideal para uma contínua reflexão sobre os males do planeta, através da arte, da ciência e das novas tecnologias. Os três criaram a FACTO logo ali, como quem diz a Fundação para as Artes, Ciências e Tecnologias - Observatório.
Os objectivos da FACTO eram a promoção de projectos de carácter transdisciplinar, transcultural, transnacional e intermediático. Seja lá isso o que for, em boa hora lhe deram nascimento, que assim veio a ter lugar o primeiro encontro internacional de arte e ciência, a que chamaram o Espírito da Descoberta. Um tal espírito visava promover um momento de informação e debate, gerando uma visão mais ampla, diversificada e profunda de algumas das mais fascinantes descobertas da ciência e das propostas da arte, questionando a sua natureza, os seus fins e o universo humano nelas envolvido. (...)
O Espírito da Descoberta cedeu passo às Origens do Futuro, muito embora pareça ao viajante, em linguagem mais terrena, que à tal fome de aventuras visionárias se ajuntou aqui a mais singela vontade de comer. (...)
A plateia, porém, não chega a duas dúzias de presenças exóticas, as mais delas personagens da própria encenação. Mistura-se nas conversas o linguajar brasileiro com um inglês de várias latitudes, alguém atarefado nos serviços de apoio fala um português fluente. Mas a tradução simultânea permite ultrapassar a babélica confusão. (...)
Isto fica a pensar o viajante, que ainda não imagina a dimensão verdadeira da sandice. Porque os dois encontros anuais da FACTO, para o ano hão-de ser quatro. Dado que anda o planeta mergulhado em ondas de simetria e assimetria, nada como devotar-se a câmara de Trancoso a discutir as magnas questões da Ruptura e Tradição, mecenando conclaves de sumidades internacionais em educação, sistemas cognitivos, design, teoria e história da arte, matemática, arquitectura, música, filosofia da ciência, neurologia e dança.
E não vá tanta coisa parecer pouco, há-de o Segundo Encontro Internacional de Arte e Ciência esquartejar o tema das Sociedades de Alto e Baixo Poder. E por haver neste lugar remoto largas famas e melhores tradições visionárias e esotéricas, aqui terá lugar um Encontro Internacional de Arte e Alquimia, onde será chamada a capítulo a Alchimiarte, sociedade de ilustres que em Locarno se ocupam das relações entre uma coisa e outra, desde há séculos.
Hão-de fazer do Bandarra um cabalista, há-de justificar-se-lhe um museu. E finalmente - pois que em toda a acção do Tribunal Europeu do Ambiente está francamente presente a ideia da liberdade, resgatada no seu significado clássico, de onde emana uma dinâmica Paideia, em que cada pessoa é responsável pelo desígnio dos seus próprios limites - hão-de voltar as Origens do Futuro, para pôr em pratos limpos a questão. (...)".

[PORTUGALMENTE - Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Ed. Âncora, Lisboa,]