segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Sátiro

Por afinidades onomásticas chamaram-lhe sátiro, mas é recurso de estilo. Era filho duns comerciantes de balcão montado há muitos anos, a viver do corrupio de aldeãos que vinham ao mercado semanal: à lei se era verdade que a havia, à saúde fugidia, aos negócios da precária economia. Nunca fez nada na vida, que não fosse viver de hábitos e tradições instaladas.
Gastou dois anos na universidade, porque tinha por destino ser doutor. Mas acabou nas fileiras da infantaria, mobilizado para Angola. E foi parar a um quartel do Uíge, como garboso alferes miliciano em comissão. 
Um dia conheceu a Gabriela, herdeira duma fazenda de café, e daí ao derriço foi um passo.
Logo que a comissão chegou ao fim, voltaram os dois casados. E instalaram-se numa quinta de Santo António do Rio, um presente da família ao cimo dum outeiro. A água vinha bombeada do Mondego, um quilómetro lá ao fundo. E gravaram o nome do condado, à entrada do portão, nuns azulejos da Viúva Lamego que o tempo já levou.
Um dia chegou a realidade. O sátiro mudou-se para a capital e arranjou emprego na Siderurgia, já na fase final dela. Hoje vive numas traseiras da avenida de Roma. Passeia no trottoir um chapéu à Sherlock Holmes, e apanha umas tareias da mulher e outras da sogra, que ficou viúva azeda. É o que dizem.