terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Petróleo - a hora da verdade

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal


O mês de Novembro que agora termina foi fértil em notícias e acontecimentos relacionados com a energia. Logo no dia 10, foi apresentado em Paris o relatório anual da Agência Internacional de Energia (AIE), relativo a 2009. Refiro-me ao ” World Energy Outlook 2009”, um relatório sempre ansiosamente esperado, muito comentado, amplamente esmiuçado e analisado.
Nos anos recentes a AIE (e sobretudo o seu economista chefe e responsável pelo estudo, o Dr Fatih Birol) tem vindo paulatinamente a tomar posições mais “realistas”, e a alertar o mundo para situações previsíveis de iminente quebra na produção de crude. Ano após ano, têm vindo a ser revistas, sucessivamente em baixa, as estimativas de produção para o ano-meta de 2030: em 2005 eram 120 milhões de barris/dia; em 2006 baixou-se para 115 milhões; neste ano de 2009 a previsão aponta para não mais do que 105 milhões de barris/dia.
Em 2008 a AIE alertou o mundo para o previsível esgotamento rápido dos campos petrolíferos actualmente em exploração. Indicou mesmo a preocupante taxa de 6,5% de diminuição anual da extracção. Foi também nesse ano que se falou da imperiosa necessidade de lançar, até 2030, novos projectos de exploração equivalentes à produção de quatro Arábias Sauditas, só para repor o que se irá perder nas jazidas actuais. Ora um tal objectivo deve considerar-se muito ambicioso e improvável de alcançar, visto corresponder a 40 milhões de barris de crude/dia, quase metade da produção mundial actual.
Porém, as notícias que mais agitaram os interessados nos assuntos da energia foram dois artigos publicados no Guardian: o primeiro no dia 9 de Novembro, véspera da apresentação do relatório anual da AIE; o segundo no dia 14.
No artigo do dia 9, intitulado “Key oil figures were distorted by US pressure”, uma fonte não identificada da AIE afirmava que o início do esgotamento do petróleo está muito mais próximo do que aquilo que se diz. E que só não se diz toda a verdade em virtude da pressão exercida pelos Estados Unidos, os quais, desta forma, pretendem evitar o pânico e a pressão sobre os preços.
No artigo do dia 14, o Guardian publicava as conclusões de um estudo da Universidade de Upsala, que contraria e revê em baixa as previsões da AIE. O artigo baseava-se nos estudos do Dr Kjell Aleklett para concluir que, em 2030, o mundo não extrairá mais do que 75 milhões de barris de petróleo por dia. Ou seja, menos 30 milhões do que aquilo que indicam as previsões da AIE.
Estes escaldantes artigos provocaram reacções. De entre elas sobressai uma carta de Colin Campbel, geólogo reformado, especialista de jazidas e fundador da ASPO, dirigida ao jornal. Nessa carta ele conta todo o historial relacionado com as previsões de produção de petróleo e diz: “Os desafios são muito grandes e torna-se claro que os governantes devem começar a preparar-se urgentemente para o que nos espera. Acredito que os artigos do Guardian possam ajudar a despertar os governantes da OCDE, e servir de pretexto para introduzir novas políticas. E, ao mesmo tempo, permitir que a AIE passe a produzir estatísticas mais realistas sobre a verdadeira situação no que respeita à produção de crude”.
Em Inglaterra não se fizeram esperar outras reacções. Uma organização empresarial veio mesmo pedir ao governo de Gordon Brown que reveja a sua posição sobre a avaliação dos riscos de uma eventual quebra na produção de petróleo.
Este circunstancialismo veio colocar de novo no centro das atenções o problema do pico do petróleo. Tudo começou em 1956 com o alerta de Hubbert King, que anunciou correctamente para 1970 o pico de produção nos Estados Unidos. Seguiu-se em 1957 a esclarecida palestra do contra-almirante Rickover, o pai do submarino nuclear. E finalmente, em 2005, o relatório Hirsh, que concluiu pela necessidade de um largo período de preparação para mitigar os efeitos de uma crise no abastecimento de petróleo.
Estamos a falar do maior desafio que a Humanidade vai ter de enfrentar nos próximos anos. Um desafio que não se resolve com paliativos, nem com hidrogénio, nem com energias renováveis, e possivelmente nem com energia nuclear. Só uma corajosa política de verdade por parte dos dirigentes, e uma mudança nas formas de vida das sociedades, pode contribuir para ajudar a resolver este problema. Preparar a transição com tempo é uma obrigação de todos. E meter a cabeça na areia só agravará a questão.