quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Portugalmente (74)

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Depois de passar a ponte está o viajante em Riba-Côa. Acostumado que vem às estradinhas modernas, já se tinha esquecido das antigas, como esta que tem à espera e parece um mar revolto. Mas o viajante confia no seu velho companheiro, e até Castelo Melhor é um saltinho. Em seu redor, na direcção da Marofa, desenrola-se um planalto de ondulações femininas, de arredondadas colinas que a erosão do tempo boleou. O xisto impera, com proveito dos vinhedos, que alastram em remendos nas encostas. É um reino de olivais e campos de amendoeiras, a pontilhar na paisagem as suas geometrias caprichosas. Bem gostava o viajante de perder tempo com elas, mas a aldeia já está ali à mão direita. E ao fundo duma íngreme calçada chega finalmente ao centro de arte rupestre.
É uma casa aprimorada e tem ar condicionado, pormenor que não é despiciendo a quem aporta aqui num dia assim. Mas as novidades boas são escassas. Três visitantes folheiam revistas da natureza, e a hospedeira acumula como pode as tarefas de recepcionista e de guia das visitas. A tutela cortou no pessoal, o balcão de refrescos deixou de funcionar, está desligada a máquina de café, a viatura sofreu uma avaria e a programada visita foi suspensa. A única salvação está nos guias privados que prestam serviço ao parque e não tardam a voltar. Embora ninguém o afirme, depressa se torna claro que os serviços oficiais bateram em retirada, cedendo o campo ao mercado.
Ao viajante não agradam tais augúrios. Mas aguarda calmamente, não ia agora desistir desta pimenta após ter chegado à Índia. E só sairá daqui depois de tirar a limpo esta contenda, entre uma barragem que ficou a meio e umas gravuras que não sabiam nadar.
Numa loja que há no largo, os produtos regionais da Terra d’Oiro não chegam a seduzi-lo. E a instâncias do viajante, logo se declara a locandeira partidária das gravuras. Por ter receios do clima, dos nevoeiros de inverno em que deixa de haver sol, das frialdades de Junho que fazem a cama ao míldio e estragam o vinho da terra a quem o tem.
Já Josué, que em tempos retornou de Moçambique e hoje está reformado da companhia de electricidade, dedica-se agora à amêndoa e aos subsídios dela, uma vez que a maior parte não chega a ser recolhida. Veio ao café Paleolítico beber a sua cerveja e já viu os cavalinhos todos. Para ele foi um erro clamoroso. A energia e a água são dados determinantes para resolver a equação, e hão-de sê-lo mais ainda no futuro. Além disso a barragem e as gravuras não eram incompatíveis, já que há técnica bastante para levantar uma e preservar as outras. O salto de qualidade prometido pelo turismo não chegou a ter lugar, o desalento é geral, e a maioria das vozes na região só está à espera da conclusão da obra. Depois ficou prometido recuperar a paisagem destruída, mas a vergonha lá está. E o museu que fizeram num cabeço há-de ser um bom refúgio para os auroques. Um dia haverá barragem no baixo Côa.
Ao viajante não surpreende a cizânia, nem lhe compete aqui tomar partido. Veio de longe a ver os cavalinhos e alguma coisa já viu, talvez um guia privado que presta serviço ao parque lhe permita ver o resto.
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