quinta-feira, 4 de junho de 2009

A Idade de Ouro

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Numa profética palestra, proferida no já longínquo Maio de 1957 mas cuja lucidez ainda hoje impressiona, o contra-almirante Hyman Rickover, considerado o pai do submarino nuclear americano, afirmava o seguinte: “A força muscular de um homem equivale a uma potência contínua de 35 watts. Isto significa que um automóvel se desloca como se fosse puxado por 2000 homens, ao longo da estrada. A força motriz duma locomotiva equivale ao trabalho de 100 000 homens, e um avião a jacto desenvolve a força de 700 000 homens. O mais humilde dos humanos desfruta hoje do trabalho de mais escravos, do que algum dos reis da antiguidade alguma vez possuiu. E apesar das guerras, das revoluções e dos desastres, a nossa época assemelha-se a uma Idade de Ouro”.
A tese da extensa palestra era a de que, no decurso da história da Humanidade, a energia e a sua utilização moldaram a civilização, e o seu controlo esteve sempre associado ao poder. Começando pelo domínio do fogo, tudo passou pelo aproveitamento da energia animal e pela escravatura, em que homens utilizavam a energia de outros homens. Mais tarde foi a energia da pólvora utilizada nas armas de fogo, que antecedeu a era moderna e impulsionou a expansão e a globalização.
Mas foi a descoberta da máquina a vapor e do motor de explosão que criaram condições para o período de maior prosperidade económica, que atravessou todo o século XX. A energia fóssil (carvão, petróleo e gás natural) esteve na base dos fundamentos da nossa civilização, e é responsável pelo conforto das nossas habitações, pela produção dos nossos alimentos, e pela tracção dos transportes que utilizamos. Indústrias como o turismo, ou a construção de grandes infra-estruturas, não teriam sido possíveis sem essa abundância energética. As grandes aglomerações urbanas com os seus arranha-céus são o resultado directo do automóvel a gasolina e do ascensor eléctrico.
Os combustíveis fósseis que hoje se consomem levaram dezenas de milhões de anos a formar. E, para nosso pesar, as palavras de Rickover, proferidas há 50 anos, ainda hoje não podem ser desmentidas: “Se os actuais padrões de vida e o aumento populacional se mantiverem, as reservas de combustíveis fósseis economicamente exploráveis poderão desaparecer algures entre os anos 2000 e 2050; primeiro o petróleo e o gás natural, e depois o carvão”.
Esta relação estreita entre a prosperidade económica e a energia tem sido mal entendida. Os progressos técnicos e a informática têm ajudado a criar a falsa ilusão de que serão encontrados, sem dificuldade, substitutos para os combustíveis fósseis. As exageradas expectativas criadas pelo advento da energia nuclear e pelas energias renováveis serviram para reforçar essa ilusão.
No quadro da actual crise económica, as opiniões dos especialistas convergem na ideia de que a solução consiste na retoma do crescimento da economia. E consideram que só com crescimento se poderá inverter a tendência para o aumento do desemprego. Porém a persistência da crise está a desesperar os economistas, que constatam a resistência às medidas monetaristas: os juros descem e nada parece acontecer; fazem-se injecções maciças de capital no sistema bancário, e o crédito continua parado; os governos nacionalizam bancos e companhias de seguros em dificuldades, e a retoma não aparece.
Pela primeira vez parece estar a ser posta em dúvida a crença nos mecanismos do mercado. E o aumento do investimento público como estimulador da economia, é agora a grande esperança. Existe mesmo uma corrente que advoga que este “new deal” deverá encaminhar-se pela “via verde”, promovendo a eficiência energética, a redução das emissões de CO2 e o investimento nas energias renováveis. Mas também há quem duvide da eficácia desta opção.
Robert Ayres, físico e economista americano que estuda as teorias do crescimento económico, mostrou a estreita correlação entre o crescimento medido pelo PIB e a utilização da energia convertível em trabalho, a que ele chama “exergia”. Ayres explica este conceito lembrando o princípio da conservação da energia: de acordo com este princípio, a energia não se gasta; apenas se transforma e se degrada (o famoso aumento da entropia). Neste sentido, a “exergia” será a energia “boa”, aquela que se pode aproveitar para produzir trabalho. E que é tanto maior, quanto maior for a eficácia desse aproveitamento.
Assim, é na energia, nomeadamente na sua produção e na eficácia da sua utilização, que se deve procurar a chave para a saída da crise actual. Antes que seja tarde.