sábado, 20 de junho de 2015

Rio-Vivo

«Em S. Pedro do Rio Seco, próximo de Almeida, naquele sábado de Agosto, depois duma chuva leve, pudemos celebrar Eduardo Lourenço, com o sol a espreitar entre as nuvens, no meio do seu povo, dos seus familiares e amigos. E alguém dizia-me que todos gostaram muito de ouvir o pensador na linguagem acessível das pessoas comuns. Em palavras chãs, Eduardo lembrou os pais, os irmãos, os amigos, os companheiros, nos dez anos em que viveu próximo do coração da Beira-Serra. Esse foi o tempo de S. Pedro, como está transcrito no memorial que Leonel Moura criou para homenagear o ensaísta de O Labirinto da Saudade: "Eu tenho um espaço particular que é o da minha aldeia. Da minha aldeia e desses dez anos que aí vivi e foram diferentes de tudo o resto que me aconteceu. Estava no mundo e o mundo estava em mim. Depois nunca mais soube, realmente, onde estou e nunca o saberei." Aí estão as suas raízes, e sentimos bem que se tratava dum regresso gostoso e emocionado.
À beira da casa onde nasceu, adivinha as palavras do seu irmão Adriano, discreto e laborioso organizador (com Luís Queirós, M. Alcino Fernandes, A.J.Dias de Almeida e Alexandra Isidro) daquele momento de gratidão.Quantas memórias desta casa e das pessoas que a povoaram. É um mundo que aí se encontra. (...)
"A literatura portuguesa tem duas notas dominantes, a amorosa e a elegíaca. Portugal parece a pátria dos amores tristes e dos grandes naufrágios." E. L. não esquece, como Unamuno, a melancolia e o sentimentalismo dos portugueses, mas procura ir além, interrogando os mitos como sinais emancipadores, sob o aguilhão da crítica. E, no fundo, a sede de infinito que ambos encontram em Antero torna-se sentimento trágico num e utopia crítica e emancipadora no outro. "A cada um a sua utopia [diz E.L.]. Utopia por utopia, como europeu desiludido mas não suicida, prefiro ainda a duma Europa apostada em existir segundo o voto dos que há meio século a sonhavam, não como a continuidade óbvia de um passado 'europeu' sem identidade, mas como uma aposta numa Europa, empírica e voluntariosamente construída pelas 'várias europas' que são cada uma das suas nações. (...)»
[in G. d'Oliveira Martins, Na Senda de Fernão Mendes, ed. Gradiva]