terça-feira, 18 de março de 2014

O último maçaricão-esquimó 24

(Cont.)
        Janeiro chegara. E a longínqua tundra canadiana, a catorze mil e quinhentos quilómetros de distância, seria ainda durante alguns meses a adormecida terra fria das tempestades de neve e das noites sem fim. Mas o maçaricão sentia já o chamamento do Árctico, uma suave emoção interior, um pequeno sinal. As suas gónadas em breve começariam a produzir hormonas, um novo ciclo anual aproximava-se. A princípio era quase imperceptível, mas o processo foi-se tornando lentamente mais forte. Era um sentimento que se distinguia do impulso migratório do Outono. Partir para o Sul tinha sido uma vaga impaciência, sem fim definido. Mas agora só o objectivo contava. A migração era um fenómeno acidental e acessório. O que ele sentia era essencialmente a ânsia, a saudade de casa. Conhecia perfeitamente o destino, não só o Árctico e a tundra, mas o amontoado de cascalho, à beira da curva do rio. Aí havia de chegar também a fêmea, aí havia de ser o ninho.
            E o maçaricão pôs-se a caminho de casa. Seguia de charco em charco, e não fazia grandes trajectos. A indecisão tinha passado. Voava sempre para Norte. Também as outras narcejas sentiam o mesmo, estavam sempre em movimento. O número e a espécie das aves nos charcos mudava de hora a hora. Uma semana depois o maçaricão encontrava-se trezentos quilómetros mais a Norte.


O CORREDOR DA MORTE

            Em anexo ao relatório anual do Instituto Smithsoniano, deve acrescentar-se algo sobre determinadas descobertas científicas. As participações vêm de colaboradores da casa...
            O maçaricão-esquimó e o seu desaparecimento (reedição, revista pelo autor, Myron H. Swenk, dos debates da Sociedade Ornitológica do Nebraska, de 27 de Fevereiro de 1915).           
            Todos os ornitólogos informados concordam entretanto que o maçaricão-esquimó (Numenius borealis) está ameaçado de extinção. Muitos acreditam mesmo que as poucas aves que ainda existem não são suficientes para a renovação dos efectivos. Consideram-no como uma espécie que pertence praticamente ao passado. Se partirmos de situações análogas, parece legítimo este pessimismo. Talvez a história do maçaricão-esquimó, parecida com a do pombo-torcaz, constitua mais uma daquelas tragédias ornitológicas que sucederam na segunda metade do séc. XIX. Devido aos abates incontrolados e irracionais, reduziram-se os efectivos norte-americanos de aves. Várias espécies largamente difundidas, como se vê pelos gigantescos bandos, foram quase ou totalmente aniquiladas...
             A comissão de defesa das aves submete à reunião ordinária de membros da Liga Ornitológica Americana os resultados da sua pesquisa no ano de 1939, relativos à destruição, ou antes, à conservação do mundo ornitológico nacional...
            Mas particularmente ameaçados estão, sem dúvida, o condor californiano, o maçaricão-esquimó e o bico-de-marfim. Os efectivos reduziram-se tão drásticamente que os indivíduos sobreviventes se mantêm separados uns dos outros. Facto que, por sua vez, põe em causa a reprodução...