terça-feira, 18 de março de 2014

Há cem anos... 3

(...) A Alemanha baseara todos os seus cálculos numa guerra fulminante e numa vitória rápida. Ao princípio, a sua provisão de material bélico mal bastava para sustentá-la durante um ano de campanha, nas duas frentes. Os Aliados, por conseguinte, poderiam ter obrigado o Kaiser a capitular antes dos fins de 1915, estabelecendo o bloqueio económico. Mas isso importava abrir mão dos mais gordos proventos da guerra: os que trazia o comércio de contrabando. 
Durante os três primeiros anos da guerra, o Reich recebeu sem cessar fornecimentos através da Holanda, Suíça e dos países escandinavos, em especial de algodão, sem o qual não poderia lutar um só dia mais. Isto prolongou-se até surgir o protesto indignado dos Estados-Unidos: a Inglaterra, o maior inimigo da Alemanha, estava-lhes roubando o mercado europeu.
O capitalismo alemão tão pouco se havia esquecido do seu bolso: até ao começo de 1917, as Fundições Krupp de Essen enviavam mensalmente 250 mil toneladas de aço ao Comité des Forges da França, através da Suíça. Além do pagamento em ouro, uma das cláusulas dessa transacção era que os aviadores franceses deviam abster-se de bombardear as minas, os altos-fornos e as fábricas de preparação metalúrgica de Longwy, ocupadas pelos alemães desde o começo da guerra.
Carregamentos de níquel vindos da Caledónia com destino à Alemanha, apreendidos por destroyers franceses no alto mar e trazidos para os portos de Brest e Cherburgo, foram mandados restituir pelo governo francês e alcançaram Bremen, sem mais incidentes. Representantes do trust de indústrias químicas alemãs, das fábricas de cobre suíças, de Vickers, Krupp, Schneider-Creusot e do Comité des Forges reuniram-se em Viena, no momento em que os exércitos se engalfinhavam numa luta de morte na lama da Flandres. O seu propósito único era o de inventar meios e modos de fazer com que a guerra seguisse lucrativamente o seu curso. "On croyait mourir pour la Patrie, on mourait pour les industriels", disse Anatole France (...).
Graças ao minério francês pôde a Alemanha, durante 4 anos, inundar o Oriente e o Ocidente por terra e por mar, com rios de aço. Em troca dos magnetos para motores de avião, enviados pela Alemanha, a França mandava bauxite, ingrediente indispensável na manufactura de alumínio para zeppelins. O terrível arame farpado que os ingleses estenderam em Ypres e no Somme, e que foi uma armadilha mortal para a guarda prussiana, era fabricado pelos Drahtwerke de Opel & Cia, e chegavam à Inglaterra pelo caminho da Holanda. (...)
Os Aliados estavam mais decididos que nunca a conquistar a vitória sem ferir os interesses das classes dirigentes. Por outro lado as greves cresciam de número, e os camponeses, que tinham outrora ateado fogo aos castelos, começavam a agitar-se. Alarmado, o governo francês propôs substituir os homens empregados nas fábricas de munições por operários importados da América. (...)
[Estes Dias Tumultuosos, Pierre van Paassen, 1946]