sábado, 26 de janeiro de 2013

Ecos da Sonora - LI

 
Já ficara para trás a Maré Alta Socialista do grande timoneiro, em 1956. A 4 de Outubro de 1957 o Sputnik I, de 84 quilos, alcançou a sua órbita e ficou a pipilar à volta da terra a 29 mil quilómetros por hora. Um mês depois o Sputnik II, muito mais pesado, colocou em órbita a famosa Laika, que se esfanicou ao reentrar na atmosfera. Nessa altura chegou o 40º aniversário da Revolução de Outubro, que seria celebrado na Praça Vermelha na presença de milhares de líderes de partidos comunistas convidados, vindos do mundo inteiro. Dois aviões Tu-104 foram enviados a Pequim, para transportar a delegação chinesa para Moscovo. Foi aí que Mao declarou: "O camarada Khrushchev diz-nos que a União Soviética ultrapassará os Estados Unidos em 15 anos. Eu posso dizer-vos que em 15 anos nós podemos apanhar ou ultrapassar a Grã-Bretanha". Ia começar o Grande Salto em Frente.
Entre 1958 e 1961, andou à solta pela China a insânia mais ensandecida, mais paranóica e despótica. Milhões de camponeses foram afastados da produção agrícola e acantonados em gigantescas comunas populares (o comunismo de caserna), para trabalharem na campanha de conservação de água e irrigação, com grandes e pequenos reservatórios; introduziram o cultivo concentrado, com plantação mais densa das sementes para aumentar a colheita; forçaram a corrida aos fertilizantes, lançando aos solos algas do mar, fuligem raspada das chaminés, desperdícios animais, cabelos e excrementos humanos, tijolos de lama desfeitos, construções e casas de lama e palha reduzidas a pó, e até açúcar branco;  inventaram a lavra profunda para aumentar a produtividade, entre 0,5 e 3 metros; puseram em marcha a campanha dos ratos e dos pardais, porque metiam o dente aos cereais; activaram a campanha do aço no quintal, com altos fornos de areia, pedra e barro, que acabaram com as árvores nos campos, e onde acabaram fundidas panelas, caçarolas, enxadas, ancinhos e machados, pregos e tesouras, e toda a sorte de latas e ferros velhos. Enquadrados por quadros partidários e por esquadrões de milícias, os camponeses foram forçados a horários de trabalho alucinados em condições infra-humanas. Uma grande fome tomou conta das vidas, o canibalismo foi solução para muitos. E o comunismo, prometido às massas para 1963, chegou tarde para 40 a 50 milhões de chineses,  que entretanto morreram de penúria. O Grande Salto em Frente foi uma calamidade.
«O ponto de viragem aconteceu em Janeiro de 1962, quando 7000 quadros chegaram de todas as partes do país para assistir à maior conferência de trabalho jamais realizada no vasto e modernista Salão do Povo em Pequim.
Liu Shaoqi, o chefe de Estado, apresentou o relatório oficial durante 3 horas, e culpou frontalmente o comando central pela catástrofe. (...) "A história julgá-lo-á a si e a mim, e até o canibalismo irá para os livros!". (...)
Lin Biao elogiou de novo o Grande Salto em Frente, aclamado como um feito sem precedentes, quando comparado com qualquer outro período da história do país.  (...)
Zhou Enlai fez o que sempre fez melhor. Tentou absolver Mao, assumindo a maior parte da culpa pelo que tinha corrido mal, aceitando responsabilidade pessoal pelos aprovisionamentos excessivos de cereais, pelos números de produção inflacionados, pelo escoamento de cereais das províncias e pelo aumento da exportação de géneros alimentícios. (...)
Nunca saberemos quando é que Mao resolveu livrar-se de Liu, pondo em marcha uma Revolução Cultural (a do livrinho vermelho, uma gigantesca manipulação da juventude que durante dez anos dizimou o partido e anulou qualquer outro resquício de ordem social estabelecida) a qual destruiria as vidas de todos quantos se tinham oposto a ele durante o Grande Salto em Frente. Mas uma boa suposição é que Mao começou a maquinar a eliminação do seu inimigo mais ameaçador, logo que se apercebeu de que todo o seu legado e o seu lugar na história estavam em causa.»