sábado, 4 de agosto de 2012

Eufonias

A Praça Velasquez abre-se em meia-lua ali ao Monte Aventino. É um lugar sereno e aprazível. A curvatura dos prédios de quinto andar rodeia um vasto jardim de saibro, que vai resistindo às invasões dos bárbaros e às conspirações modernistas da pedra. E tem lá dentro canteiros coloridos, e relvados aparados, e copas de árvores não domesticadas. Visitam-na as pombas, com alguma parcimónia, as gaivotas não se atrevem a tanto. Às vezes vou até lá.
Em volta há agências bancárias que já tiveram mais agitação, há pastelarias e esplanadas de cafés. E os clientes saboreiam nelas a carícia fugidia dum precário Verão. Ao fim da tarde povoam-nas de óculos escuros e risadas, e trejeitos de cabeça, e fumo de cigarros femininos, e grasnidos de smartphone.
Um dia alguns patriotas, tomados de complexos de soberania, pensaram em chamar-lhe a Praça Sá Carneiro. Atrás das árvores plantaram dois pilares e um baixo-relevo tosco, com palavras que o vento já levou.
Mas o ouvido do povo não se ajeitou à mudança. Chama-lhe Praça Velasquez, respeita as eufonias e evita más lembranças.