segunda-feira, 10 de maio de 2010

À atenção do BE e do PCP

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Dizem os jornais que ambos os vossos partidos se preparam para rejeitar, na AR, a suspensão do decreto que autoriza o investimento programado para o chamado projecto de alta velocidade ferroviária, o “TGV Lisboa-Madrid”. A ser verdade o que os jornais dizem, é uma notícia triste, porque revela a estranha miopia de quem devia andar de olhos abertos.
O verdadeiro debate do TGV para Madrid não se pode reduzir à questão de saber se um tal investimento deverá ser feito ou não. Nem se é oportuno fazê-lo agora (quando Portugal está fragilizado perante os especuladores internacionais), ou se deve deixar-se para mais tarde.
O real nó górdio da questão consiste em que Portugal ficou “preso” à presente “solução” do TGV, quando aceitou a visão espanhola de uma estrutura ferroviária ibérica radial, a partir de Madrid. Não interessa agora discutir quem foram os culpados dessa submissa aceitação. A verdadeira questão associada ao "TGV" é a de saber se Lisboa deve ser um “nó” de primeira categoria na rede europeia de alta velocidade, ou se limita a ser um "nó” secundário, "pendurado" na ligação a Madrid.
Apresentada como sendo o “TGV Lisboa-Madrid” esta ligação é na realidade o “AVE Madrid-Badajoz”, acrescentada de uma “perninha” até Lisboa. Trata-se de facto dum projecto espanhol, em que o material circulante será espanhol, a gestão da exploração será espanhola, as ementas do bar hão-de ser castelhanas, os funcionários e tudo o mais castelhanos serão.
Adiada sine die a ligação ao Porto, Portugal perde qualquer iniciativa no domínio da alta velocidade. E Lisboa, assim ligada a Madrid, de algum modo perde o seu estatuto de "cidade capital da Europa". Passará a ser vista como uma cidade de segunda categoria na Ibéria, possivelmente a quarta, depois de Barcelona e Sevilha.
O papel português neste projecto será apenas o de rasgar o Alentejo para construir a linha. Vai usar-se mão-de-obra muito pouco qualificada, possivelmente importada. Ao fim de 3 ou 4 anos, agravaremos fortemente a nossa legião de desempregados, aos quais haverá que somar as famílias, entretanto trazidas para Portugal.
Convém não esquecer que, no século XIX, Portugal optou por uma solução de outro tipo: foi eleita a ligação directa a Paris pela via de Salamanca, Valladolid, Burgos e Irún. É por aí que passa a nossa ligação natural à Europa, foi por aí que o Jacinto queirosiano regressou de Paris às serras de Tormes, e será ainda por aí que a verdadeira ligação continua a passar. É por Vilar Formoso que entram e saem, diariamente, centenas de camiões TIR. E é exactamente esta visão que agora aparece sacrificada, na aceitação da “visão” espanhola. A qual, significativamente ou não, nem sequer prevê alta velocidade no troço de Salamanca a Valladolid.
Os portugueses, no futuro, não perdoarão aos seus dirigentes que se aceite a ligação para Madrid sem, ao mesmo tempo, negociar com Espanha a nossa "verdadeira e natural" ligação á Europa. Esta é, a meu ver, a primeira condição a exigir, para aprovação definitiva do famigerado TGV.
Apenas mais dois reparos: o projecto Lisboa-Madrid não será rentável, pois é esta a inequívoca conclusão dos estudos da Rave, os quais prevêem cerca de 1000 passageiros por dia em 2030. Isso dá para encher um comboio diário, em cada sentido! Além disso, tal como está projectada, a linha não servirá para escoar as nossas mercadorias.
Vai tudo isto “com conhecimento” ao Partido Socialista, sem grande esperança de acolhimento. Pois me parece que os seus activistas estão dopados sobre o assunto, desde que alguém escolheu reduzir a questão a um diferendo, se não a um “braço de ferro”, entre José Sócrates e Cavaco Silva.