quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Erínias

Nessa altura a messe da base aérea era um oásis, uma espécie de última fronteira. Para lá dela restava só sonhar com bailarinas inglesas, que vinham de Moscavide a cavalgar um can-can pelos bares da baixa de Luanda, enquanto sorviam gargalhadas de champanhe dos roceiros do café.
O tecto do bar da messe era o sinal duma antiga idade de ouro, dos tempos originais, quando tudo estava ainda concentrado nos Dembos do Angola é nossa. Havia pintado nele um firmamento, com as constelações todas do hemisfério Sul. E tinha duas majestosas colunas de som, que vieram da Inglaterra, e mais pareciam as costas dum sofá.
O Vasco tinha morrido, o Manel fora com ele, do Raul já poucos se lembravam, vitimado à descolagem por um compressor gripado. Eu escapara há pouco duma alhada, de que só a juventude e as divindades dela me livraram, com rasgões fundos na alma. E aguardava retirada para Lisboa.
De forma que à noite, estendidos no tapete, berricávamos dois copos, enquanto ao fundo uns casais de residentes tricotavam conversas de mulheres. Nós revíamos o can-can das inglesas, e deleitávamos o ouvido nos altifalantes com as badineries do Bach, nas versões híbridas do Jacques Loussier.
Uma noite achei melhor promulgar um edital: Faça deste lugar uma sala de música, e não um pátio onde cacarejam galinhas! E afixei-o na porta.
As mulheres das conversas olharam-me sem mercê. E fizeram queixa ao comandante.
Sabendo muito bem no que se achava metido, o comandante salvou-me da fúria das erínias.