quinta-feira, 30 de maio de 2013

O AO

«O Aleijão
(...) Pessoas que achavam que "tanto faz" ou que era muito barulho por nada, começam a dar ouvidos a Eduardo Lourenço e a António Lobo Antunes; a Vasco Graça Moura e a José Gil; a Pacheco Pereira e a Miguel Esteves Cardoso; até a Ricardo Araújo Pereira e a João Pereira Coutinho, que devem estar de acordo em poucos assuntos. 
E talvez essas pessoas tenham lido as seguintes notícias: a faculdade de Letras da Universidade de Lisboa não aplicou o "acordo"; a Associação Portuguesa de Linguística criticou-o; o PEN clube recusou-o; a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros distanciou-se dele; a Sociedade Portuguesa de Autores e a Associação Portuguesa de Escritores não o aceitam. (...)
É um acto político, como reconheceu aliás o autor moral da iniquidade, Malaca Casteleiro, em declarações a este jornal: "isto não é uma questão linguística, é uma questão política, uma questão muito importante do ponto de vista da política de língua, no âmbito da lusofonia. (...)
O actual presidente da República disse um dia que o português de Portugal se arriscava a tornar-se uma espécie de latim, como se uma variante falada por dez milhões de indivíduos equivalesse a uma língua morta. (...)
Fizeram o acordo ignorando os pareceres técnicos divergentes e a opinião de agentes qualificados da língua. E agora assustam-se com o levantamento cívico. Perceberam que fracassaram, que nem todos nos calamos, que estivemos atentos às suas consequências. (...) Quis simplificar o ensino e cortou as palavras da sua raiz etimológica, da sua família, dificultando uma compreensão de conjunto. Quis ser um acordo "lusófono" e pouco mais é do que um contrato luso-brasileiro, do qual os brasileiros duvidam. E agora ainda passámos pela humilhação de ter o oficioso "Jornal de Angola" a lembrar-nos que o étimo latino ajuda a compreender o percurso de uma palavra.
Este acordo não serve, não presta, é preciso denunciá-lo, ou, no mínimo, revê-lo em profundidade. É preciso acabar com aberrações como a recessiva "receção" e o tauromáquico "espetador" e a lasciva "arquiteta". E com a fantasia de que as consoantes que abrem as vogais são mudas. E com a ideia de que a escrita é uma transcrição da fonética. (...)
[Pedro Mexia, in ATUAL]