terça-feira, 14 de novembro de 2017

Pernada

O solar foi feito por etapas, visíveis na fachada. E eu ainda conheci o conde velho, que só acedeu à condesia pelo casamento com a condessa, vinda de longe. Mas um dia ela morreu, e o conde velho só se via na missa, debaixo da boina basca.
Antes disso o irmão do conde passou aqui uns meses. Seguindo uns ecos de direito de pernada, tratou de fazer um filho numa criada. Daí nasceu o Firmino, que passou a ter trabalho e salário certo. Ocupava-se da cerca e dos jardins, e era um privilégio seu, num tempo e num lugar em que isso era impensável.
Um dia entrei no solar, não sei a que despropósito. E vi o preto, à entrada do salão dele. Era de pau, e tinha uma carapinha.
Há uns anos uma tropa de meliantes veio aí numa noite de inverno, trouxe uma camioneta, e não ficou nada dentro do solar.
Agora o conde novo, homem de indústrias, quando aqui passa nunca vai lá dentro. Que lhe falta o preto!