sábado, 3 de maio de 2014

O último maçaricão-esquimó 34

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          Mas só ali ficaram durante o dia. Ao cair da noite partiram sozinhos, e duas horas depois poisaram na pradaria enluarada, cento e cinquenta quilómetros para o interior.
            A sua intranquilidade diminuiu, agora contentavam-se com a espera. O instinto dizia-lhes que tinham ultrapassado todos os obstáculos. Os últimos cinco mil quilómetros até ao Árctico passavam pelas grandes planícies dos Estados Unidos e do Canadá, onde nem montes nem cordilheiras lhes dificultavam a rota, e onde havia alimento até ao exagero. Em caso de necessidade, poderiam fazer esse trajecto numa só semana, e por algum tempo sossegou-lhes o impulso migratório. Na melhor das hipóteses, a tundra só estaria pronta para a nidificação dentro de dois meses. Mas isso não o sabiam os maçaricões. Sabiam apenas que, neste começo da Primavera, havia muitos insectos nas pradarias do Texas. E sentiam o desejo de ficar.
            Esperaram três semanas, durante as quais não avançaram mais de cento e cinquenta quilómetros para o interior. Quase todas as noites ouviam passar lá por cima os bandos das aves mais pequenas. Estas não nidificam no Árctico, mas em reservas muito mais a Sul, onde era já Primavera. Quando chegasse o momento, os maçaricões fariam numa noite o que a estas aves demorava três. 
            No princípio de Abril de novo se apoderou deles a velha inquietação. Faziam breves deslocações nocturnas, e lentamente iam acompanhando a Primavera. Voavam de vez em quando várias horas, antes da pausa da alvorada, por vezes ficavam vários dias no mesmo local. Esperavam até que a Primavera avançasse, voavam depois um par de noites até a alcançarem, ultrapassavam-na e esperavam outra vez por ela. O sinal de partida era-lhes dado pelas flores dos salgueiros, nas margens dos riachos. Quando estas abriam e inundavam de pólen as suaves brisas da noite, os maçaricões lançavam-se para o ar. Voavam até chegarem a um local onde os rebentos dos salgueiros ainda estivessem fechados, e onde a ervagem da pradaria tivesse ainda a cor castanha. Enquanto esperavam, comiam com abundância, ovos de gafanhotos que os seus bicos sensíveis detectavam no solo húmido. E, quando os rebentos dos salgueiros brotavam em flor, continuavam a avançar para Norte.
            A cada semana a urgência era maior, pois a Primavera alastrava cada vez mais depressa, pelas vastidões do Norte.

 O CORREDOR DA MORTE

A torda-mergulheira
Publicação quadrienal sobre Ornitologia
Editada pela
Liga de Ornitólogos Americanos
Lancaster (Pensilvânia)
            Comunicações gerais. Híbridos naturais entre Dendroica coronata e D. Auduboni... Colibri-de-bico-grosso (Eugenes fulgens) no Colorado... Maçaricão-esquimó no Texas. Em Março, perto de Galveston (Texas), foram avistados pelo autor e por vários outros observadores dois maçaricões-esquimós, os quais, segundo todos os indícios, estavam acasalados. Encontravam-se no meio de um grande bando de várias espécies de narcejas, entre pilritos-dos-prados e das-praias, abibes, galinholas, bem como garças e centenas de maçaricões-norte-americanos. Todas as aves procuravam alimento num terreno paralelo à costa, composto de zonas arenosas, charcos e pedaços de relva. A proximidade directa entre maçaricões-esquimós e norte-americanos ofereceu uma bela oportunidade para comparações.
            Eram evidentes o menor tamanho do corpo e o bico mais curto dos maçaricões-esquimós. À luz clara do sol da tarde, quando as aves se moviam, podiam reconhecer-se claramente o grande recorte escuro das asas e a falta da risca ao meio da cabeça. Durante uma hora revimos todos os sinais ornitológicos. Isso aconteceu com ajuda de binóculos, a partir duma viatura estacionada a menos de cem metros de distância... Como acontece muitas vezes junto da costa texana do golfo, durante a época de migração da Primavera, uma trovoada na noite anterior, com forte precipitação e ventanias de Sul, obrigou as aves a poisar aqui temporariamente. - Sargento Joseph M. Heiser Junior...

            A MIGRAÇÃO DA PRIMAVERA   (RESUMO)


            A observação de um casal de maçaricões-esquimós na ilha de Galveston (Texas) foi sem dúvida o resultado mais notável. Este é o primeiro registo aceitável desta espécie, desde há vários anos. Ao longo dos últimos vinte anos, apenas aves isoladas foram ocasionalmente avistadas. Tem grande significado o facto de se tratar aqui, provavelmente, de aves acasaladas. Enquanto existir um casal, mantém-se a esperança de que talvez a espécie se não extinga...
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