segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Portugalmente (2)

(...) No seu pensar, dá o viajante mais importância a uma ribeira, a uma árvore qualquer, do que a um estádio de futebol a rebentar de gente. E mais ainda aprecia um panorama solto entre montanhas, do que a avenida mais cosmopolita. Por isso, antes de iniciar o seu caminho, sobe a esta penedia e toma o gosto à paisagem, correm-lhe os olhos pelos verdes vários do vale, este mais tenro é o das moitas de carvalhos, aqueloutro mais vivo é o dos prados ribeirinhos bordejando a linha de água, o mais escuro é o dos pinheirais que o fogo ainda não levou, e tudo o resto é um zumbir de bichos, um festim de matizes e fragrâncias, dos matos bravios que forram o dorso dos montes.
Além, donde o sol nasce, derramam-se na encosta as escombreiras dumas minas de urânio abandonadas. Os poceirões lá ficaram abertos, e ao vê-los encontrou o viajante na memória uma figura antiga de mineiro, serra acima, o cheiro acre do carboneto a soprar a língua azul do bico do gasómetro. Dessas vidas antigas, que eram vidas mesmo se à morte lentamente levavam, ficaram a escorrer águas das galerias, tão límpidas como letais. Nada parecia mais inofensivo e ali ficaram a correr, um dia hão-de contar-se os prejuízos.
O viajante vai descendo a pendente suave, e nestes pensamentos depressa chega à entrada da aldeia, Sebadelhe é o nome na tabuleta. O topónimo já contava com ele, mas não sabe agora o que fazer desta bifurcação. Por sobre ser um estreante nestas andanças, parece que o viajante não fez bem o trabalho de casa. Porém, querendo fazê-lo, não teria por onde, demais seria esperar que houvesse um roteiro destes lugares, se noutros, importantes, vai faltando. Não avista ninguém a quem pedir inculcas, e estes que estão ali à beira da estrada, dentro daqueles muros, já não podem dar respostas, por eles só as lápides falam no seu linguajar de pedra, eterna saudade. Que tolos são os homens, quando se põem a falar de eternidades, isto é o que pensa o viajante, mas podia afirmá-lo uma lápide qualquer.
E havendo que escolher entre o caminho que pela esquerda desce e o que pela direita sobe, decidiu-se por este, mais estreito. Tão afortunada foi a decisão que logo o viajante veio dar ao adro desta igreja, ao cabo duma rua calcetada em granito. O largo, se não é exagero falar assim de tão ínfimo espaço, tem o mesmo pavimento empedrado, algumas árvores baixas, canteiros em volta improvisados e um asseio surpreendente. E a luz da tarde, a espelhar-se na alvura do velhíssimo templo de raiz românica, deixa o viajante caído em espanto, olhando em volta.
- O que é que o senhor procura?!
(...)